Em sessão plenária que se estendeu por toda a tarde de sábado, 22, os representantes dos países presentes em Belém (PA) aprovaram o texto político final intitulado “Decisão do Mutirão” da COP30, a Conferência do Clima da ONU, e dezenas de outros documentos discutidos ao longo das duas semanas anteriores como parte da agenda oficial do evento.
A Decisão do Mutirão aborda quatro temas sensíveis que não entraram na agenda oficial de discussão: financiamento climático, a ambição das metas nacionais de descarbonização, maior transparência nos relatórios sobre emissões de gases e medidas unilaterais de comércio com base em critérios ambientais.
Ficou de fora da Decisão do Mutirão ideia lançada pelo governo brasileiro de se construir um plano para o fim gradual do uso de combustíveis fósseis. Nesse ponto, o acordo apenas reafirma compromissos já assumidos em COPs anteriores.
O texto lança um mecanismo chamado de “Acelerador Global de Implementação”, uma iniciativa voluntária, colaborativa e facilitadora para acelerar a adoção de medidas em todos os países com o intuito de cumprir com os objetivos do Acordo de Paris, que pretende limitar o aquecimento global em 1,5 graus em relação aos níveis pré-industriais. Além disso, essa iniciativa, diz o texto, deve ser feita “levando-se em conta” decisões anteriores, como o “Consenso dos EAU” (sigla para Emirados Árabes Unidos, onde ocorreu a COP28).
Naquela conferência, realizada em 2023 em Dubai, as nações presentes concordaram com a necessidade de realizar uma transição energética para substituição dos combustíveis fósseis, com a meta de atingir a neutralidade das emissões de carbono até 2050.
O texto de Belém, contudo, não define metas mandatórias para cumprir esse propósito. Basicamente, cria um mecanismo voluntário entre os países para perseguir um objetivo que já havia sido acordado dois anos atrás. Trata-se de um revés para o presidente Lula, que colocou grande empenho na inclusão no texto de um compromisso para a criação de um “mapa do caminho” para a redução gradual do uso de combustíveis fósseis.
O documento também não cita qualquer plano para zerar a devastação das florestas tropicais, um dos pontos de maior expectativa quando a Conferência do Clima teve início. Houve intensa presença de cientistas no evento que buscaram enfatizar esse ponto, mostrando especialmente a necessidade de ações para preservação de um bioma ameaçado. Como o presidente Lula reafirmou em diversas ocasiões, todo o propósito de trazer a COP para Belém, no coração da Amazônia, era sensibilizar líderes de todo mundo para essa causa.
O texto da Decisão do Mutirão apenas menciona a importância de conservar a natureza e conter o desmatamento.
Durante a sessão plenária para a aprovação dos documentos discutidos na conferência, o embaixador André Correa do Lago, presidente da COP30, afirmou que, apesar de não constarem no texto final da conferência, ele irá, ao longo do seu mandato que se estende pelo próximo ano, trabalhar pela construção de dois “mapas do caminho”: um para o fim do uso de combustíveis fósseis e outro para zerar o desmatamento no mundo.
No tópico sobre medidas de comércio, a Decisão do Mutirão apenas pede cooperação entre os países por um sistema econômico sustentável, e que decisões unilaterais para combater o aquecimento global não devem ser arbitrárias e discriminatórias ou que sirvam de disfarce para restrições ao comércio global. No entanto, o texto adia qualquer diálogo mais aprofundado sobre o assunto para se iniciar em junho de 2026.
Indicadores de adaptação
A conferência de Belém aprovou Indicadores Globais de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), item contido na agenda oficial das negociações. O mecanismo irá permitir que as ações tomadas para mitigar os efeitos do aquecimento do planeta sejam mensuradas. Houve um esforço grande das delegações para reduzir mais de 9.000 itens para 58.
O texto faz questão de explicitar que os GGA’s “são voluntários, não prescritivos, não punitivos, facilitadores, de natureza global, respeitosos da soberania nacional e das circunstâncias nacionais e conduzidos pelos países”. Não criam encargos e não devem servir como comparação entre países.
Outro ponto importante que o documento sobre esse tópico traz é que os indicadores de adaptação não podem ser usados “sob nenhuma circunstância, como condição para que Partes em desenvolvimento acessem financiamento ao abrigo da Convenção e do Acordo de Paris”. O trecho tentava aplacar os temores dos países desenvolvidos de que os repasses das nações desenvolvidas do fundo para o clima estivessem atrelados a metas de cumprimento dos indicadores.
Esse cuidado, no entanto, não foi suficiente. No início da plenária para aprovação dos textos, alguns tópicos enfrentaram resistência dos representantes nacionais. Os indicadores de adaptação estiveram entre os que enfrentaram mais objeção, mesmo depois de formalmente aprovado.
A delegação da Colômbia interveio para obstruir a continuidade dos trabalhos, alegando discordância em relação a um tópico relacionado a um programa de implementação e ambição de mitigação climática. O presidente da COP30, André Correa do Lago, precisou suspender a sessão temporariamente para consultar os insatisfeitos. No retorno da sessão, as decisões foram mantidas, com o adendo que os temas seriam refinados em conversas a serem realizadas nos próximos meses.
O documento principal concluído hoje retrocede também em um tópico considerado crucial para os países emergentes: o financiamento para adaptação. O texto “conclama esforços” para tentar triplicar os recursos para financiamento até 2035. A versão inicial do documento, contudo, tentava adiantar o prazo para 2030.
Repercussão
Ao sair da sessão plenária, André Correa do Lago disse a VEJA que a questão do financiamento é o principal legado da COP30. Ana Toni, CEO da COP30, por sua vez, comemorou o fato de os países terem concordado em aumentar os recursos para financiamento em adaptação climática e transição justa. Ela também chamou a atenção para decisões paralelas, adotadas fora da plenária. “Foi uma agenda de ação robusta, com muitas iniciativas dos governos subnacionais, do setor privado e da sociedade civil”, disse Toni.
“Creio que podemos mostrar, hoje, que apesar dos atrasos, das contradições e das disputas, há uma continuidade entre aquela ambição da Rio-92 e o esforço presente. Mesmo que aquelas versões de nós mesmos nos dissessem que não fomos tão longe quanto imaginávamos e seria necessário, reconheceriam algo fundamental: ainda estamos aqui”, discursou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, na sessão de encerramento. Ela foi aplaudida de pé por integrantes das delegações internacionais presentes.
“Nós sabíamos que essa COP ocorreria em águas políticas turbulentas”, afirmou, em nota, Simon Stiell, secretário executivo de Mudanças Climáticas da ONU. “Mas, amigos. A COP30 mostrou que a cooperação climática está viva, mantendo a humanidade na luta por um planeta habitável.”
Fernanda Bortolotto, especialista em políticas climáticas da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, avaliou que as decisões aprovadas na COP30 em Belém “apresentam um recado ambíguo. Por um lado, o chamado ‘mutirão’ não entregou o que se esperava em termos de mapas do caminho para combustíveis fósseis e desmatamento – justamente as duas principais causas da crise climática.”
Por outro lado, na avaliação de Bortolotto, houve alguns avanços importantes. Um deles é a valorização da ciência como balizadora das ações climáticas. O outro é a criação de “um grupo de trabalho para discutir o artigo 9.1, ou seja, o financiamento dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento”.
Participação popular
Segundo a Casa Civil do governo federal, que organizou o evento, a Blue Zone (Zona Azul) da COP30, onde ocorreram as negociações oficiais e as exposições dos países, contou com a presença de um total de 42.000 participantes ao longo das duas semanas, entre os dias 10 e 22 de novembro. No auge, 23.000 pessoas circularam ao mesmo tempo pela Blue Zone. Pela Green Zone, espaço reservado à sociedade civil e de livre acesso à população, passaram 294.000 pessoas.