O Consulado-Geral da República da Coreia em São Paulo e a Associação de Coreanos no Brasil investigam o site KdramaDate, que ganhou popularidade ao oferecer experiências íntimas com coreanos. A plataforma anuncia pacotes inspirados em k-dramas, com atividades que vão de passeios em cafés e caminhadas em parques a idas a churrascarias e encontros com conotação sexual. Todo o contato é feito diretamente por WhatsApp. As autoridades apuram também supostos indícios de tráfico e exploração sexual de cidadãos coreanos ligados ao serviço.
Bruno Kim, presidente da Associação de Coreanos, acompanha de perto as denúncias contra o KdramaDate. Segundo ele, a comunidade coreana no Brasil tem se esforçado para promover sua cultura com seriedade e respeito e vê com preocupação o uso indevido de termos e da imagem coreana em iniciativas que não representam seus valores:
“Pedimos a todos que tomem cuidado com possíveis golpes relacionados a show de k-pop, a agências de turismo e, agora, com sites de encontros”, afirmou Bruno Kim, acrescentando que “a plataforma KdramaDate utilizou o endereço oficial do Centro Cultural de Hiroshima, que emitiu uma notificação extrajudicial, e conseguiu com que o endereço fosse alterado”.
Serviços, como o do Kdramadate, exploram de forma direta o imaginário romântico idealizado pelos dramas coreanos, convertendo em negócio um repertório emocional cuidadosamente fabricado pela indústria do entretenimento. Ao vender encontros e programas que simulam o comportamento dos protagonistas de K-dramas (homens gentis, relacionamentos contidos, gestos coreografados de atenção), a plataforma transforma a fantasia em mercadoria, reforçando estereótipos e explorando expectativas afetivas, além de objetificar o homem coreano.
Para a professora doutora Daniela Mazur, especializada em cultura pop coreana, esse tipo de serviço do site é apenas o sintoma de um problema que já vem se desenhando há tempos:
“Isso é um produto de uma situação que já era sintomática e que, agora, nos levou ao cume, deixando claro o tamanho da questão. No final das contas, não é somente o fetiche de raça e etnia. São várias frentes de problemas na forma de consumir a hallyu (onda coreana), que muitas vezes ignora o respeito e a consideração à cultura e ao povo que estão sendo veiculados. Desde que a onda coreana se popularizou (especialmente com o consumo de k-dramas e k-pop, que colocam em destaque os corpos, rostos e personalidades dos artistas), o orientalismo e o racismo ganharam novas formas de expressão, levando até mesmo ao fetiche de raça.”
Segundo a doutora Daniela Mazur, a fantasia atrelada a um fetiche racial se tornou um fator muito preocupante. As pessoas racializadas são descaracterizadas de suas características pessoais, restando apenas a sua raça:
“Quando a gente pensa nessa lógica, as pessoas querem o seu ‘oppa’ imaginado, uma fantasia, independentemente das características pessoais. Esse site, por exemplo, foi criado por causa de uma demanda, não surgiu do nada. É uma objetificação dos coreanos. Existe fetiche racial especialmente com homens coreanos, não importando quem eles realmente são. Retiram qualquer individualidade humana. A única relevância são os traços étnicos da pessoa.”
O Consulado da Coreia e a Associação dos Coreanos no Brasil acompanham casos de golpes aplicados por pessoas e empresas que usam o nome do país para enganar brasileiros. As instituições já mantêm uma lista com nomes de suspeitos sob monitoramento. Neste ano, por exemplo, segundo Bruno Kim, cerca de seis shows de artistas coreanos foram cancelados no Brasil, e os produtores envolvidos não devolveram o dinheiro ao público.
Também chama atenção o caso da agência de turismo OneB, dirigida por Ana Christina Bezerra de Carvalho. A empresa é alvo de ações judiciais por vender pacotes de viagem para a Coreia que nunca foram realizados. Um grupo de 32 clientes, dos quais treze já obtiveram vitória na Justiça, afirma ter pago integralmente pelos pacotes sem receber reembolso. Entre eles está Silvia Carvalho, professora universitária de Ponta Grossa (PR), que relata ter desembolsado R$ 34 mil para uma viagem prevista para 2023. Segundo Silvia, o primeiro grupo de viajantes, que embarcaria em 2022, foi surpreendido na madrugada da véspera da partida com a notícia de que a empresa não conseguiria cumprir o contrato. O comunicado, assinado pela diretora, está registrado em documento enviado aos clientes.
“Eu fazia um curso de coreano quando os professores anunciaram uma parceria com a agência de viagens. Eles acompanhariam o grupo como intérpretes.Assinei o contrato, participava das reuniões online que a Ana Christina organizava e, por um tempo, tudo parecia correr bem. Até que, de repente, ela parou de responder. Pouco depois, o primeiro grupo que embarcaria recebeu um comunicado informando que a empresa encerraria suas atividades”, afirma Silvia Carvalho.
As denúncias contra a OneB não são recentes. No site Reclame Aqui, há pelo menos vinte queixas de consumidores relatando situações semelhantes: pacotes de viagem vendidos e não cumpridos. A produtora de shows e empresária Rosiani Brandão de Paula Lee move, desde 2019, uma ação judicial contra a agência. Ela conta que a OneB firmou parceria para um evento no Brasil, mas não cumpriu o combinado.
“A responsável pela agência simplesmente desapareceu e me deixou na mão, com um prejuízo de cerca de R$ 40 mil. O processo ainda corre na Justiça de Recife e de São Paulo”, relata.
Ana Cláudia Duarte Macedo, analista de operações de comércio exterior, de 23 anos, também diz ter sido vítima da OneB. Em 2019, ela ganhou em um concurso um pacote para viajar à Coreia oferecido pela empresa, mas a viagem nunca aconteceu:
“A OneB era sediada em Recife, mas tinha clientes em todo o Brasil. Eu me preparei psicologicamente, ganhei o concurso, que foi amplamente divulgado. Eu iria com um grupo criado pela OneB. Teve gente perdeu mais de R$ 50 mil. A Ana Christina foi adiando a viagem por causa da pandemia, e todo mundo entendeu. Mas, no fim, não houve viagem nem reembolso”, conta Ana Cláudia.
Procurada pela reportagem, a empresária Ana Christina Bezerra de Carvalho, responsável pela OneB, foi contatada por telefone, mas preferiu não se manifestar.