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Como uma IA brasileira pode mudar o trabalho da perícia criminal

Para muita gente a ideia de perícia remete à série norte-americana CSI: Crime Scene Investigation, sucesso exibido entre 2000 e 2015. Se alguém decidisse trazer o programa de volta hoje, não faltaria inspiração tecnológica, inclusive algoritmos surgidos aqui no Brasil. Entre eles, o da pesquisa de Ademir Franco, cientista com longa experiência internacional (na Bélgica e na Escócia), atualmente professor da faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas.

Franco, que é especialista em odontologia forense, contou à coluna sobre sua pesquisa que utiliza inteligência artificial para ajudar na identificação de vítimas de crimes.

Confesso que sou um dos que ouvem “odontologia forense” e penso logo em CSI.
É muito comum isso. Geralmente os alunos nos procuram dizendo que viram algo na série. Por exemplo, identificação de uma vítima por meio dos dentes.

Como a inteligência artificial se encaixa no seu trabalho?
Temos dois caminhos: o comparativo, em que pegamos informações do cadáver obtidas na necropsia e batemos com os dados da pessoa em vida, e o reconstrutivo. Nesse segundo, entram em cena características biológicas do falecido — dizer, por exemplo, que é um homem de cerca de 35 anos, com determinada estatura.

A IA pode ajudar nos dois processos?
A partir de 2020, começamos a aplicar conhecimento de IA nessas perícias. Aqui no Brasil, na odontologia forense, somos a primeira equipe que conseguiu implementar esse tipo de pesquisa. No nosso caso, baseada na utilização de radiografias de pessoas. Tínhamos uma base ampla, com 13 mil radiografias de brasileiros.

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E essas informações são usadas de que maneira?
A gente começou a aplicar para ver até que ponto a IA conseguia nos dizer a idade e o sexo de uma pessoa somente com uma radiografia. Sem dar nenhuma outra informação. Ou seja, esses dados permitiram treinar um algoritmo para desempenhar essa função. Preciso salientar a participação de duas pessoas fundamentais: os engenheiros André Rabad, do IFMT, e Lucas Porto, da iniciativa privada. Eu trouxe as necessidades da odontologia forense, e eles mostraram as possibilidades de automatizar esses processos.

Como foi o desempenho da IA?
Nas primeiras análises, entre 2020 e 2021, obtivemos uma taxa de acurácia por volta de 75% a 80%. No campo forense, 75% ainda é delicado, porque significa errar uma a cada quatro análises. Fomos aprimorando. Atualmente, alcançamos precisão de 93% para homens, 89% para mulheres. No ano passado, conseguimos uma publicação importante na revista Scientific Reports, a segunda decorrente desse projeto. Nela, analisamos a idade-limite de 18 anos — uma idade crucial no Brasil. Com uma radiografia, conseguimos dizer se o indivíduo é maior ou menor.

Isso serve tanto para casos com mortos quanto para pessoas vivas?
Sim, e essa é uma das aplicações mais interessantes. A IA pode ser usada em perícias que informam à Justiça se uma pessoa é adulta ou não. Vivi isso muito de perto na Bélgica, em perícias para estimar idade em pessoas vivas — especialmente requerentes de asilo. A Bélgica, por estar no coração da Europa, recebia muitos imigrantes sem documentos, vindos de países em guerra. Eles precisavam passar por perícia de idade. Quem era menor geralmente era acolhido. Quem era adulto, muitas vezes era devolvido.

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Essa tecnologia também pode ter aplicações além da perícia criminal?
Há uma área chamada auditoria odontológica, usada por planos de saúde. O dentista precisa comprovar que realizou determinado procedimento para receber o pagamento. Alguns profissionais mal-intencionados tentam fraudar o sistema, usando a mesma radiografia de um paciente para cobrar de outro. A IA pode atuar como um filtro, verificando se a imagem realmente pertence àquela pessoa.

E quanto ao uso em identificação de vítimas, como em desastres?
Existem ferramentas de reconstrução facial forense, mas são caras. Trabalhei na identificação das vítimas do atentado de Bruxelas, em 2016, quando terroristas explodiram bombas no aeroporto e, minutos depois, em uma estação de metrô. Foi um caso de desastre em massa, quando o número de corpos supera a capacidade logística local. Saber idade e sexo já ajuda muito, porque reduz drasticamente o número de possibilidades. Imagine um evento com 35 vítimas: se sei que uma delas é uma mulher de 35 anos, já elimino várias hipóteses. E, em tragédias maiores, como tsunamis, isso reduz enormemente o trabalho e direciona as buscas.

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