O Relatório de Política Monetária de dezembro reforça a percepção de que o início do ciclo de flexibilização dos juros ficou mais distante do que janeiro. Ao manter a projeção de crescimento em 3,2% para o primeiro, segundo e terceiro trimestres de 2027, o Banco Central do Brasil indica cautela, segundo especialistas.
Para Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, esse ponto pesa diretamente contra um corte em janeiro. “A projeção estagnada no primeiro, segundo e terceiro trimestres de 2027 em 3,2% complica ainda ”. Mas há um fator que pode servir de alívio parcial para alguns investidores. “O que pode servir de atenuante para alguns é o fato de o Banco Central ter 2,3% de PIB”, número que “é compatível com um PIB no quarto trimestre entre 0% e 0,3%, no intervalo mais altista das projeções”.
Natalie destaca que “ão houve revisão de hiato do produto: o terceiro trimestre de 2025 ficou estável; o primeiro trimestre de 2027 estava em -0,5 no RPM passado e o segundo trimestre de 2027 está em -0,4%. A leitura é de uma economia menos ociosa do que se imaginava anteriormente.
O capítulo do crédito veio com sinais mistos. O BC revisou para cima o crédito livre para pessoas físicas e para baixo o crédito para empresas. Como resume Natalie, “revisou crédito livre PF para cima” e “crédito PJ revisado para baixo, o que puxou para baixo o crédito livre total”. No agregado, porém, o efeito foi compensado, já que “a revisão altista no direcionado mais que compensou, o que levou a nova revisão altista do crédito”.
Mesmo com esse ajuste, o relatório reforça a confiança do Banco Central na desaceleração da atividade. Natalie chama atenção para o fato de que há “ganho de confiança na desaceleração, com o destaque à menção no box do PIB à surpresa baixista em consumo”. Ainda assim, o tom geral do RPM dificulta o corte em janeiro. Na leitura dela, “no todo é um RPM que aumenta bastante a barra para janeiro ainda mais”. Para que isso aconteça, seria necessária “uma melhora de cenário”, especialmente “com esse BRL bem complicado”. Além disso, ela lembra que “os dados que ele terá em janeiro são os de novembro”.
Com isso, março aparece como o cenário mais provável para o início do ciclo. Natalie afirma que “março sai fortalecido como cenário base”, mas observa que o balanço do Copom ficou mais duro. “Acredito que o conjunto do Copom tirou probabilidade de janeiro, aumentou a de março, mas também aumentou a de abril, ou seja, saldo hawkish.” Segundo ela, o BC estava ciente da expectativa do mercado. “O Copom sabia que o mercado estava de olho no 3,2% e optou por não fazê-lo.” Na sua leitura, “o plano de voo parece ser março”, embora “não descarte abril”, diante do cenário cambial atual. Ainda assim, há fatores que ajudam o caso de março. “A flexibilização qualitativa do discurso, e o petróleo fortalecem o case de março.”
Na avaliação de Ian Lima, gestor de renda fixa da Inter Asset, o relatório teve impacto limitado sobre a precificação. ” Não incorpora nenhuma informação nova que altere de forma relevante a precificação ou a tendência de mercado em relação a um corte de juros em março”. O documento, segundo Ian, apenas reforça ajustes já esperados, ao indicar “eventuais revisões para cima do crescimento, indicando uma atividade econômica um pouco mais aquecida do que o previsto anteriormente”.
Ian destaca que parte dessas revisões decorre de fatores técnicos. “Houve uma suavização nas projeções para 2025, que foram revisadas de maneira mais intensa em função das revisões das séries históricas”. Isso gerou um carrego estatístico para 2026 e explica parte da elevação da projeção de PIB nesse ano., explica. Para 2026, ele diz que o relatório incorpora parcialmente os efeitos da isenção do Imposto de Renda, o que estimula em curto prazo a demanda agregada.
Mesmo assim, o pano de fundo segue o mesmo. Ian reforça que “as variáveis de atividade seguem em desaceleração, com o crédito apresentando sinais de arrefecimento, tudo dentro do esperado”. No fiscal, há apenas sinais marginais. “Há algum aceno positivo em relação às medidas recentemente aprovadas ou em tramitação”, diz. Ele diz que o diagnóstico do mercado é estabilidade fiscal entre setembro e dezembro.
No horizonte mais longo, a leitura também é cautelosa. “A revisão do PIB resultou em um leve aumento do hiato do produto, menos negativo do que no RPM anterior”, diz. Ele também entende que o ciclo de queda de juros pode não estar tão próximo. “O modelo do Banco Central indica que a meta de inflação de 3% só é atingida no terceiro trimestre de 2028”, diz . Para ele, o terceiro trimestre de 2027 se torna um ponto de atenção relevante por ser o horizonte considerado na reunião de janeiro.