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Como o champanhe francês inspirou uma revolução de qualidade na Espanha

No início do século XIX, a região da Catalunha encontrava-se em pé de guerra com Napoleão, que tomara parte de seu território. Os habitantes locais enfrentaram bravamente os estrangeiros, até expulsá-los de lá em 1814. Muitas décadas depois, foi a vez dos espanhóis darem o troco nos franceses, só que na área da gastronomia, invadindo o terreno de um de seus vinhos mais famosos. Surgiu assim o Cava, o espumante com uvas espanholas, como Macabeo, Xarello e Garnacha.

Por usar o mesmo método de produção, por um bom tempo foi chamado de Xampany ou Champaña, até que a França, incomodada com o “imitação”, solicitou a denominação e o termo passou a ser usada apenas quando o espumante fosse produzido na região de Champanhe. Eis que agora os espanhóis foram beber de novo na fonte da inspiração francesa para incrementar a imagem da Cava mundo afora, um movimento que os mais fervorosos catalães dizem ter potencial para rivalizar com o champanhe no mercado de grandes espumantes.

A exemplo do que ocorre com o Champanhe e o italiano Franciacorta, as borbulhas do Cava são produzidas a partir da segunda fermentação feita na garrafa. No entanto, diferentemente de seus companheiros franceses e italianos de categoria, esses espumantes espanhóis passaram a ser produzidos de forma industrial e hoje é possível encontrar Cavas aqui no Brasil com valores que variam de R$ 39 a mais de R$ 500. Essa imensa variação acabou criando um problema: nem sempre a denominação reflete a qualidade do produto.

Diante desse dilema e interessados em mostrar ao mundo uma expressão única e superior, nove produtores de Penedès, nas redondezas de Barcelona, foram buscar na União Europeia a chancela de uma nova marca. Assim nasceu o Corpinnat. Em catalão, cor significa coração, pin, pedra, numa referência a cadeia rochosa dos Pirineus, e nat vem de natividade. Em livre tradução, portanto, Corpinnat significa “nascidos no coração de Penedès”.

Para ser um Corpinnat os espumantes precisam ter as uvas 100% colhidas à mão, serem provenientes da região de Penedès, ter a vinificação feita na propriedade, envelhecer pelo menos 18 meses em contatos com as borras (as leveduras), usar variedades locais como Xarello e adotar práticas orgânicas, com foco em sustentabilidade.

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Em passagem recente pelo Brasil, Linda Diaz, head sommelière da Gramona e embaixadora da marca que lidera o projeto do Corpinnat falou com a coluna AL VINO na Casa La Pastina, em São Paulo. “O projeto começou com nove produtores há seis anos, hoje somos dezenove. Para sentir a diferença ou entender o que fazemos, peço que quando encontrarem um rótulo que diga Corpinnat deem a oportunidade a ele, porque é um projeto comprometido com a qualidade”, completou.

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Linda Diaz, head sommelière da GramonaMarianne Piemonte/VEJA

No encontro na Casa La Pastina, provamos três Gramonas, com envelhecimentos de 30 meses a oito anos.  Um dos experientes degustadores na mesa confessou que facilmente os confundiria com as melhores casas de Champanhe. “São vinhos que têm corpo, mesmo que não pareça, são cremosos, têm aromas tostados, de mel e frutas secas muito agradáveis e que ficam a cada ano mais ricos, por conta do contato com as leveduras. Nossas borbulhas não são protagonistas, elas são como um carinho na boca. Por fim, o frescor que te faz salivar, refresca a sua boca e finalmente acaricia o seu espírito”, definiu poeticamente Linda.

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PRODUÇÃO CERTIFICADA

Para conseguir essa qualidade de espumante tão ímpar, a vinícola Gramona liderou a criação de uma associação de viticultores que vem transformando a paisagem ao adotar os preceitos da agricultura biodinâmica. “Quando cheguei para trabalhar em Gramona, a região parecia um deserto. Hoje, estamos entre bosques, animais, uma riqueza de biodiversidade encantadora”, contou Linda. Os viticultores da região, que formaram a Aliances per la Terre, recebem cinco vezes mais pelas uvas que vendem aos produtores. Atualmente, eles já somam 500 hectares de vinhas chanceladas pela Demeter, entidade que cuida da certificação dos produtos da agricultura biodinâmica. Na Península Ibérica, não há registro de outra extensão maior como a da Aliances per la Terre.

Uma das mais vinícolas mais tradicionais da região (produz desde 1850), a Gramona hoje usa cavalos para arar a terra, ovelhas como roçadeiras, que fazem o trabalho e adubam a terra, falcões para evitar passarinhos que comem as uvas e práticas que nada se assemelham com aqueles tratores ultramodernos, drones e borrifadores do esquema industrial do agronegócio.

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Área de cultivo na Gramona: cavalos para arar a terraReprodução/VEJA
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Todo esse cuidado tem valor. O espumante mais jovem, o Gramona Aliances La Cuvée Nature, com 30 meses de contato com as borras, custa R$ 346, o Imperial Brut (com 57 meses de cave) sai por R$ 479 e o Celler Batlle Brut, com 104 meses de autólise, é vendido no Brasil a R$ 1490. Todos chegam aqui trazidos pelo World Wine e estão disponíveis em todo o país pelo site da empresa.

Linda acredita que o Brasil é uma grande aposta para os Gramonas e os demais espumantes da categoria Corpinnat. “Há consumidores aqui que tem apreço por espumantes mais sofisticados e não têm dificuldade em entender a proposta”, afirmou. Atualmente, o principal mercado dos Corpinnat feitos pela Gramona são Estados Unidos, Suíça e os países nórdicos, que têm predileção por produtos com esse tipo de cultivo, orgânico e sustentável.

Tudo começou com os Cavas, cujo sabor é assim definido pelo chef catalão Ferran Adrià: “Cada borbulha da Cava carrega a alegria mediterrânea”. Com o surgimento dos Corpinnats, esse sabor agora é elevado à enésima potência.

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Por essa, Napoleão não esperava.

 

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