Passada a primeira edição da Copa do Mundo de Clubes da Fifa, quantos haviam apostado no Chelsea como vencedor do torneio? Obviamente, muitos de nós teríamos apostado no PSG, campeão europeu, ou então em um dos times tradicionais e em melhor fase: Real Madrid, Bayern de Munique ou Manchester City. Cobiçosos dos três mundiais do seu rival do Morumbi, é provável também que muitos flamenguistas e palmeirenses tenham apostado em seus clubes como respectivos campeões do torneio (só paixão clubista mesmo pra justificar tanto otimismo assim, convenhamos). Seja lá qual for o time para o qual fizemos a nossa “fezinha”, quem certamente ganhou com tudo isso (além da Fifa, é claro) foram as incontáveis e onipresentes casas de aposta. Nesta edição de “Mais com Menos”, falarei um pouco a respeito do fascinante e controverso mundo das casas de apostas, como elas ganham dinheiro, e como, no outro lado do negócio, a otimização de recursos e o sports analytics já viraram parte fundamental na gestão profissional de times de futebol.
Suponhamos uma hipotética casa de apostas, fundada por quem vos escreve: a “Bet Mais com Menos”. Nessa bet, podemos apostar em apenas um único jogo: cara ou coroa. Nesse jogo, o apostador tem a total certeza de que, na média, será pago metade das vezes em que apostar em cara, e metade das vezes em que apostar em coroa. As odds (probabilidades de ganho) dessa bet, então, seriam: Cara 2.0 vs. Coroa 2.0, ou seja, para cada real apostado em cara (ou coroa), voltam dois reais. Isso porque, na média, e sem outra razão para ser diferente, metade dos apostadores iria de cara e metade de coroa. Ora, mas assim a bet não faria dinheiro jamais: no longo prazo, seu papel seria apenas o de transferir o dinheiro apostado dos perdedores aos vencedores. Para que a casa de apostas faça sentido como negócio, as odds seriam, por exemplo, Cara 1.95 vs. Coroa 1.95. Assim, cada vencedor receberia 95 centavos além do real apostado, e 5 centavos ficariam para a casa (no jargão do negócio, o juice). Voilà! Nossa bet hipotética agora faz dinheiro.
É óbvio que o exemplo da cara e coroa é meramente ilustrativo. Na realidade, o que nós brasileiros gostamos mesmo é do bom e velho futebol (tá bom, vai, tem o pessoal de colete e patinete em São Paulo que diz gostar de futebol americano, mas sabemos que a bet deles é a B3). Mas futebol, com exceção de decisão por pênaltis, talvez, não é loteria, muito menos cara ou coroa. Então, como decidir as odds de cada time de forma que o juice da nossa hipotética bet não vá pelo ralo? Aqui, o palpite clubista começa a perder o valor e o dinheiro entra em cena: money talks, bullshit walks, como diriam os americanos.
Em qualquer esporte, a casa de apostas deve ter um modelo preditivo para estimar as probabilidades de vitória, empate, ou derrota de um determinado time, assim podendo determinar o valor das odds iniciais, já incluso aí o juice da casa. É claro que um dos fatores que afetam as odds também é o próprio volume de apostas recebidas: certamente a casa não deseja um jogo em que todo o dinheiro foi apostado em um lado só, e que é provável que o público tenha alguma informação a respeito do jogo que ainda não foi capturada pelo modelo preditivo da bet. O modo exato como cada casa de aposta lida com todos esses fatores não é completamente certo, até porque as bets competem entre si. Esses modelos preditivos podem variar: desde modelos probabilísticos mais tradicionais, como o utilizado pelo famoso grupo de professores do departamento de matemática da Universidade Federal de Minas Gerais (que pode ser encontrado aqui), até as famosas redes neurais (lembram-se delas?), fazendo uso de uma imensa base de dados e alto poder computacional. Muito provavelmente é um desses modelos de inteligência artificial mais robustos que gera as probabilidades de vitória no futebol reportadas pelo Google, que encontramos quando buscamos o resultado do jogo do nosso time em andamento.
A análise de dados não serve apenas para quem aposta, mas serve também para quem joga. Nos clubes, essa prática se consolidou sob o nome de sports analytics, imortalizada no filme Moneyball, que conta como a análise estatística de atletas no baseball mudou o esporte para sempre. Na temporada de 2002, o Oakland Athletics fez jus ao nome desta coluna: com um dos menores orçamentos da liga, o time quebrou recordes e levou o título da Divisão Oeste da Liga Americana, sendo eliminado nos playoffs pelo Minnesota Twins.
Interessantemente, a história do sports analytics está diretamente entrelaçada com a da nossa querida Pesquisa Operacional. Em 1954, o analista do departamento de defesa americano Charles M. Mottley sugeriu diferentes táticas de formação de um time de futebol (o deles, não o nosso) a partir da análise de dados e de paralelos com estratégias de combate militar. Alguns anos depois, o pesquisador da Força Aérea Real do Canadá George R. Lindsey observou que, em um jogo de baseball, rebatedores destros levam vantagem contra arremessadores canhotos, e vice-versa. Desde então, essa formação se tornou comum no esporte. Contudo, o grande nome responsável pela popularização de métodos estatísticos aplicados ao planejamento esportivo é o de Bill James, criador das principais métricas de análise estatística no jogo de baseball, constituindo a disciplina conhecida como sabermetrics. Seu trabalho influenciou Paul DePodesta, representado por Jonah Hill em Moneyball, o economista responsável pelo sucesso do Oakland Athletics, como mencionado acima.
Nas últimas décadas, essa mesma lógica se propagou, até chegar ao futebol, esporte em que o histórico de desempenho é utilizado para tomar decisões mais inteligentes, seja na contratação de jogadores seja na definição de táticas. Adicione a isso toda a evolução e o barateamento da tecnologia telemática e de GPS (o famoso “sutiã de jogador” NUNCA OUVI FALAR DISSO), e o que antes era subjetivo, como a “entrega em campo” ou o “gás” de um jogador, virou uma planilha de dados objetivos, prontos para ser tratados e utilizados em modelos de otimização. Hoje, tal ferramental é parte fundamental da gestão esportiva profissional.
Concluo esta edição de “Mais com Menos” com um recado a diretores de futebol e apostadores em geral. Aos primeiros, vejam só: por um lado, times como Botafogo, Palmeiras e RedBull Bragantino colhem os frutos de uma gestão profissional séria. Por outro, assistimos a gigantes do futebol brasileiro agonizarem com dívidas (e estádios) impagáveis, seca de títulos e até mesmo com o fantasma da Série B, enquanto seus dirigentes se envolvem em tietagem, politicagem provinciana e intrigas de rede social. Permitam-me parafrasear o tetracampeão brasileiro Muricy Ramalho: “os dados punem”. E ao apostador em geral, a não ser que você seja o novo Bill James do futebol, lembre-se: a casa sempre ganha.
Referências
[1] https://invention.si.edu/invention-stories/sports-analytics-moneyball