Um dos pilares que sustentaram o turismo médico estético na Coreia do Sul ao longo da última década chega ao fim neste mês. O incentivo fiscal que permitia a pacientes estrangeiros solicitar o reembolso do IVA sobre procedimentos estéticos será encerrado em 31 de dezembro, e o setor já calcula os efeitos econômicos da decisão.
A retirada do benefício preocupa clínicas, intermediários e operadores de turismo, que veem no imposto devolvido um dos principais atrativos para quem buscava cirurgias plásticas ou tratamentos dermatológicos no país. Sem o reembolso, afirmam profissionais da área, o custo final para o visitante aumenta e a Coreia perde um diferencial que ajudava a manter previsibilidade e transparência de preços, que seriam dois elementos centrais na disputa por pacientes internacionais.
O programa foi lançado em 2016 e abrangia boa parte dos procedimentos mais procurados por estrangeiros: rejuvenescimento facial, redução de rugas, cirurgias de pálpebras, tratamentos corporais e aumento de mama, entre outros. Com o benefício, o paciente podia solicitar de volta o imposto de 10% cobrado na conta final. A medida, aprovada durante o esforço do governo para posicionar a Coreia como destino de referência em estética, acabou se tornando um dos motores desse mercado.
O fim do incentivo se confirmou depois que o parlamento coreano deixou de incluir as cláusulas referentes ao reembolso na revisão mais recente da lei que regula exceções tributárias. A partir disso, grupos do setor passaram a reagir. Associações médicas e clínicas privadas afirmam que o corte afeta especialmente estrangeiros sensíveis ao preço, que seriam uma parcela numerosa do público que chega ao país para tratamentos rápidos e de médio custo.
Os números ajudam a dimensionar o impacto. Segundo dados do governo, os gastos de estrangeiros com saúde na Coreia chegaram a 1,24 trilhão de won (cerca de US$ 840 milhões) em 2024. Este valor triplica o registrado antes da pandemia. O setor de estética e dermatologia, sozinho, responde por mais de três quartos desse total. O reembolso do IVA também acompanhou esse crescimento: só em 2024, atingiu 95,5 bilhões de won, e a tendência deste ano aponta para nova alta: no primeiro semestre de 2025, 82,6 bilhões de won foram devolvidos.
Apesar da preocupação, analistas avaliam que o impacto imediato tende a ser moderado. A Coreia ainda se beneficia da forte reputação de seus serviços médicos, da valorização internacional de sua indústria estética e de fatores externos, como a desvalorização do won e a retomada do fluxo de turistas chineses favorecida pela isenção temporária de visto em Seul. Um relatório da Kiwoom Securities estima que o valor médio do reembolso varia entre 150 mil e 293 mil won por paciente, dependendo da nacionalidade.
Mesmo assim, o alerta vem da concorrência. Países como Singapura e Tailândia, com tradição consolidada no segmento, ampliam a oferta de pacotes de turismo médico. E, na China, a província de Hainan avança para se tornar um polo regional capaz de reter pacientes que antes buscavam atendimento no exterior. Hoje, a Coreia detém 62% do mercado chinês de turismo médico e de beleza: uma fatia que, segundo especialistas, pode diminuir se o país for visto como um destino mais caro.
A perda do incentivo também reacende antigos receios ligados à transparência. O programa contribuía para limitar práticas abusivas de intermediários ilegais, que historicamente inflacionavam preços ou cobravam taxas extras de pacientes estrangeiros. Um estudo do Instituto Coreano de Finanças Públicas observa que o reembolso funcionava como uma espécie de auditoria natural, já que obrigava clínicas a emitir recibos detalhados e permitia aos pacientes comparar valores antes de concluir o tratamento.
Com o benefício suspenso, há quem tema a volta de distorções:
“Se o país for percebido como mais caro e menos previsível, uma parte do público pode buscar alternativas no Sudeste Asiático ou permanecer na China”, disse um gestor de clínica em Gangnam, bairro famoso por concentrar estabelecimentos de cirurgia plástica.
Diante do cenário, empresas do setor passam a pressionar o governo para reavaliar a decisão. A expectativa é de que o tema volte ao debate legislativo, seguindo o exemplo de outros incentivos fiscais destinados a turistas estrangeiros que já foram retirados e, posteriormente, restituídos após pressão da indústria.
“Os efeitos negativos podem ser significativos, e o setor acredita que o governo ainda pode reconsiderar o assunto”, afirmou um representante da Global Tax Free, empresa que opera serviços de restituição de impostos.