Nas estreias mais esperadas da temporada, algo curioso aconteceu: a ousadia deu lugar à escuta. Em vez de rupturas ou gritos de revolução, os novos diretores criativos das grandes maisons optaram por ouvir os tecidos, as mãos que os costuram, as memórias de quem veio antes. Em Paris, Matthieu Blazy na Chanel; Jonathan Anderson na Dior; Pierpaolo Piccioli na Balenciaga; a dupla Jack McCollough e Lazaro Hernandez na Loewe; Miguel Castro Freitas na Mugler; Glenn Martens na Maison Margiela; e Duran Lantink na Jean Paul Gaultier; e em Milão, Dario Vitale na Versace; Demna na Gucci; Louise Trotter na Bottega Veneta; e Simone Bellotti na Jil Sander viveram estreias que, longe de negar o passado, o abraçaram com a serenidade de quem entende que a modernidade nasce do respeito e da referência.
Cada um trouxe a própria assinatura, é claro, mas sem apagar a essência das casas que agora comandam. Chegaram não para mudar tudo, mas para deixar a própria marca. Os novos diretores criativos das grandes maisons não têm a ânsia dos jovens nem o ímpeto dos revolucionários — têm repertório, tempo e um olhar que entende a força do que já foi. E é nesse equilíbrio entre herança e inovação que a moda, que já foi território da ruptura e da pressa, parece finalmente descobrir o valor da maturidade e parece reencontrar seu centro em um luxo que transcende o tempo.
Chanel por Matthieu Blazy
Dior por Jonathan Anderson
O britânico Jonathan Anderson inaugurou uma nova era para a Dior com um desfile em que o passado e o futuro dançaram lado a lado. Da pirâmide invertida que projetava cenas de filmes de Hitchcock e aparições de Christian Dior, Galliano e Maria Grazia Chiuri, emergiram vestidos que transformavam o imaginário da feminilidade clássica. Havia drama e leveza, pepluns reinventados, a clássica jaqueta Bar em tweed verde cintilante, e uma dose precisa de ironia. Anderson usou a história como matéria-prima para criar desejo e contemporaneidade. A Dior dele é sofisticada, ousada e emocional — uma alta-costura que sorri para o futuro.
Balenciaga por Pierpaolo Piccioli
Na Balenciaga, Pierpaolo Piccioli trocou o choque pelo silêncio. Em sua estreia, o estilista italiano, conhecido por emocionar na Valentino, voltou-se à essência arquitetônica de Cristóbal Balenciaga. As linhas eram puras, os volumes esculturais, os tecidos pesavam o necessário. Entre vestidos-saco e casacos de corte impecável, Piccioli mostrou que a modernidade também pode ser contida. As cores vibrantes — amarelos, roxos e pinks — apareceram como respiros de poesia entre construções precisas, referências diretas ao fundador. Sua Balenciaga é de introspecção e alma: uma moda que busca beleza entre o corpo e o tecido.
Loewe por Jack McCollough e Lazaro Hernandez
A dupla americana da Proenza Schouler assumiu a Loewe com humildade e inteligência. Sua coleção de estreia, moldada entre o respeito a Jonathan Anderson e o desejo de se afirmar, apostou em volumes estruturados, couro escultural e cores inspiradas em Ellsworth Kelly. Os novos diretores revisitam a herança artesanal da casa, mas injetaram um toque esportivo nova-iorquino. Uma transição segura e promissora — mais sussurro do que grito.
Mugler por Miguel Castro Freitas
O português Miguel Castro Freitas trouxe para a Mugler uma elegância contida que o fundador, Thierry, certamente aprovaria. O espetáculo deu lugar à precisão: silhuetas marcadas, ombros definidos e uma sensualidade mais sutil, mas que estava lá. Rosa, bege e látex compõem uma cartela delicada, em uma coleção que busca sofisticação real, porém, extremamente magnética como um Mugler deve ser.
Maison Margiela por Glenn Martens
Em um desfile orquestrado por crianças, Glenn Martens reafirmou sua devoção ao legado de Martin Margiela. O caos meticuloso da apresentação, com jeans revisitado, blazers desconstruídos e peças que pareciam feitas de fita adesiva, homenageou a história e anunciou o futuro. Martens transforma a desconstrução em linguagem viva, em uma Margiela que respira o cotidiano e fala com a nova geração.
Jean Paul Gaultier por Duran Lantink
Na Jean Paul Gaultier, o holandês Duran Lantink trouxe de volta o prêt-à-porter e o humor subversivo do criador. O body de seios ovalados, as listras navais e os enchimentos esculturais revivem a estética do “enfant terrible”, mas com uma pegada contemporânea e mais sustentável. Sua estreia é divertida, irreverente e emocional — uma homenagem que se transforma em reinvenção.
Versace por Dario Vitale
Primeiro não-Versace à frente da marca, Dario Vitale estreou com respeito e energia juvenil. Inspirado nos anos 1980 e 1990, revisitou o pop-art de Gianni e reinventou o sexy em versão urbana. Jeans de cintura alta, regatas cavadas e malhas metálicas substituíram o glamour de tapete vermelho por uma sensualidade despretensiosa e divertida. Vitale devolveu à Versace a vibração pop que andava adormecida, com cores vivas, nostalgia e vitalidade.
Gucci por Demna
Na Gucci, Demna trocou o deboche pelo diálogo. Em “La Famiglia”, coleção de estreia, o georgiano apresentou um jogo teatral de opostos: mulheres cobertas em volumes, homens quase desnudos. A ironia segue sua marca registrada, mas há um senso de italianidade clássica e humor refinado. A Bamboo 1947, o Horsebit e o monograma Flora convivem com referências a Tom Ford e Alessandro Michele, em um mix que é puro cinema. A Gucci de Demna é um espetáculo de identidade e consumo — luxo com cara de provocação.
Bottega Veneta por Louise Trotter
Na Bottega Veneta, Louise Trotter manteve o luxo silencioso e o elevou à condição de manifesto. O couro intrecciato — trançado que dispensa apresentações — reapareceu em texturas, volumes e detalhes que evocam o toque das mãos. O desfile trouxe alfaiataria confortável, feminilidade sutil e modernidade discreta. Louise reafirma a essência da Bottega: uma moda que fala baixo, mas fica na memória.
Jil Sander por Simone Bellotti
O italiano Simone Bellotti sabe que minimalismo não se resume a um terno. Ele entende que, na moda, isso significa pureza de design com vida e textura. O desfile começou com Guinevere van Seenus — musa dos anos 1990 e da própria Jil Sander — em uma saia lápis branca e top azul. A partir dali, seguiu-se uma sequência de roupas funcionais e precisas, com blazers de couro transformados em vestidos e jeans crus de corte reto. A cartela oscilou entre azul klein, branco, preto e tons delicados de rosa e pistache. Bellotti trabalha com a serenidade de quem conhece o território: insere recortes sutis, metalizados e florzinhas plastificadas que homenageiam a fundadora, além de sutiãs bordados que lembram a era Raf Simons. Sua estreia é uma lição sobre o que o minimalismo pode ser — essencial, mas jamais simples.
Veja fotos dos desfiles que tiveram estreias em Paris e Milão:
Chanel por Matthieu Blazy
Dior por Jonathan Anderson



Balenciaga por Pierpaolo Piccioli



Loewe por Jack McCollough e Lazaro Hernandez



Mugler por Miguel Castro Freitas



Maison Margiela por Glenn Martens



Jean Paul Gaultier por Duran Lantink



Versace por Dario Vitale



Gucci por Demna



Bottega Veneta por Louise Trotter



Jil Sander por Simone Bellotti


