“Se tiver um bom casamento, Deus te abençoe. Se for ruim, vire um filósofo. Eu virei filósofa”, já disse a cantora e compositora Joni Mitchell, de 81 anos. Ela sabe do que fala: é pioneira do que hoje é algo corriqueiro na música pop, as letras confessionais sobre relacionamentos prévios turbulentos. Casada pela primeira vez aos 22 anos, em 1965, ela se divorciou pouco mais de um ano depois do músico Chuck Mitchell, manteve o sobrenome e o expurgou no disco Song to a Seagull (1968), no qual o descreve como farsante. Nas seis décadas que se seguiram, lançou mais dezoito discos, sempre nessa toada — For the Roses (1972), por exemplo, é sobre seu relacionamento com James Taylor. Agora, as mais de sessenta faixas da recém-lançada coletânea Joni’s Jazz celebram seu legado.
Com a revolução sexual e a libertação feminina em curso, mulheres enfim podiam ser mais abertas sobre sua intimidade. Décadas depois, o efeito dominó permitiria que a maior pop star do século XXI, Taylor Swift, assumidamente utilizasse como base criativa os dez namoros públicos que teve. A ideia para seu álbum Red (2012) deve muito ao clássico Blue (1971), de Joni — a veterana, porém, alfinetou a jovem quando questionada se a pupila poderia interpretá-la no cinema: “Se ela for cantar, boa sorte”. Discípulas contemporâneas da artista não faltam: Lana Del Rey, Haim e Brandi Carlile são algumas delas.
Joni, porém, não se tornou lendária apenas por chorar suas pitangas. Natural do interior do Canadá, surgiu como expoente do folk. Encantou ouvintes com a franqueza, sim, mas também com a voz eclética, de mezzo-soprano a contralto, e o virtuosismo em instrumentos como a guitarra dulcimer, de origem medieval. Também compunha sozinha: “Você já viu pintores trabalhando juntos?”, perguntou certa vez. Ao longo dos anos, afastou-se da persona bucólica delicada e se aproximou do jazz.
Hoje cultuada pela geração Z, ela viralizou no TikTok quando a atriz Amanda Seyfried apresentou um cover da faixa California na televisão americana para lutar pelo papel de Joni em uma cinebiografia. Segundo rumores, contudo, quem saiu por cima foi Anya Taylor-Joy, que dará vida a ela junto de Meryl Streep, encarregada da fase madura, em longa de Cameron Crowe. As homenagens se multiplicam anualmente. Em 1997, até virou musa no R&B quando Janet Jackson a citou em Got ’til It’s Gone: “Joni Mitchell nunca mente”. No Grammy de 2024, subiu no palco num trono para cantar Both Sides Now. Após sessenta anos fazendo das tripas coração, ela resume a trajetória nas próprias palavras: “Algo se perde, mas algo se ganha em viver todo dia”.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961