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Como a crise Brasil-EUA pode ajudar o audiovisual brasileiro?

 

A crise Brasil-EUA dos últimos dias me lembrou do filme Mera Coincidência (Wag the Dog, no título original), quando um capanga do presidente americano contrata um produtor de cinema para fabricar uma guerra falsa e desviar a atenção pública de um escândalo sexual. Na história, a imagem de uma garotinha frágil com um gatinho no colo fugindo de bombas virou o símbolo da estratégia, o que faz pensar que talvez Bolsonaro seja a menininha frágil da nossa crise atual. A guerra é fabricada, mas o interesse por trás dela é real.

Trump se incomodou com o STF e o amigo golpista? Depois de meses sem se envolver no assunto, é difícil acreditar, mesmo que o filho do ex-presidente faça de tudo para isso. O desconforto com o avanço dos BRICS na desdolarização, entre países que movimentam quase 40% do comércio global, acendeu um alerta muito maior na Casa Branca. O timing não é mera coincidência.

A extrema-direita brasileira foi massa de manobra contra o próprio país na jogada. E ainda saiu comemorando. Não é a primeira vez, nem será a última. A mistura de interesses próprios com interesses de outros contra o Brasil é caso corriqueiro entre eles.

Um filme que ilumina outras sombras dessa postura da extrema-direita é o brasileiro Apocalipse nos Trópicos, de Petra Costa, em cartaz nos cinemas. No documentário, o pastor Silas Malafaia é acompanhado em situações privadas e públicas, sem disfarçar sua forma de atuar, pressionando políticos para expandir seus interesses e os da bancada evangélica, que cresceu enormemente nos últimos anos.

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A influência do pastor sobre o ex-presidente se faz muito clara em vários momentos, com pedidos e acordos explícitos. Um episódio marcante que ilustra a relação é quando Malafaia cita uma passagem bíblica: “Deus escolheu as coisas loucas para confundir as sábias. Deus escolheu as coisas fracas para confundir as fortes. (…) Deus escolheu as coisas vis, de pouco valor, as desprezíveis, que podem ser descartadas, as que não são, que ninguém dá importância, para confundir as que são, para que nenhuma carne se glorie diante Dele… é por isso que Deus te escolheu”, e aponta para Bolsonaro.

No texto original, o sentido da passagem é dizer que a sabedoria de Deus é diferente da sabedoria humana, busca caminhos não convencionais para suas intenções. Na vida real, ainda mais à luz de hoje, parece apenas um deboche com o povo que se viu tão abandonado por um governante cuja incapacidade já era muito bem conhecida por seus apoiadores influentes.

Agora, diante da nova crise internacional, vemos mais uma vez poderes “escolhendo as coisas vis e desprezíveis” para infiltrar outros interesses por baixo da cortina de fumaça. É Trump usando a falácia “Bolsonaro perseguido” para implodir o papel brasileiro no avanço dos BRICS e da discussão monetária, que é um tema espinhoso, mas está longe de ser uma realidade próxima.

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Diante do baita bode laranja instalado na sala, a reação do governo e do empresariado brasileiro parece caminhar numa direção de união em defesa do país, da soberania e da economia nacional, com foco em manter a negociação e as relações diplomáticas dentro da civilidade esperada de chefes de Estado. E o que começou com uma aparente bomba inesperada pode abrir uma janela de oportunidade importante para o Brasil.

É aí que o audiovisual pode entrar na roda e sentar à mesa com os demais personagens desse jogo, já que muitas frentes de negociação serão abertas e o setor é justamente uma das áreas de maior desequilíbrio bilateral entre Brasil e Estados Unidos.

A discussão pela regulação das plataformas de vídeo sob demanda se arrasta há anos por aqui, enquanto a União Europeia já regulou, aplicou e revisou suas regras em defesa do audiovisual local, impulsionando a economia, a geração de empregos e a produção de obras relevantes em seus países. Nas últimas semanas, o Brasil chegou a um momento decisivo, com um projeto de lei mais maduro em discussão no Congresso, mas que vem sendo continuamente sabotado pelo lobby contrário nas discussões parlamentares.

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Parte da indústria defende 12% de taxação, enquanto opositores tentavam fechar em apenas 3%. Depois de uma série de negociações, o projeto atual prevê 6% (na França pode chegar a 26%, sem incluir alguns descontos aplicáveis). O Brasil é um dos maiores consumidores de audiovisual do mundo, um dos maiores mercados em números de assinantes das plataformas, tem uma potência criativa e econômica gigante atravancada no meio dessa discussão, e ainda não tem uma regulação.

Agora é a hora de aproveitar essa janela e avançar com a defesa da soberania nacional também no audiovisual brasileiro, um dos mais esquecidos em meio a tanto chumbo trocado. Teremos mais empregos, mais impostos recolhidos, mais dinheiro movimentando a economia e, além de tudo, um impulso fundamental para a construção simbólica dos novos Brasis que precisamos.

* Daniel Fraiha é jornalista, roteirista e sócio da Projéteis

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