counter Comer mais carne pode mesmo turbinar a testosterona? Veja o que dizem os especialistas – Forsething

Comer mais carne pode mesmo turbinar a testosterona? Veja o que dizem os especialistas

Nos últimos anos, a testosterona virou uma espécie de elixir: promessa de mais músculos, mais libido, mais energia, e por aí vai. E junto dessa febre veio a caça às estratégias para turbinar o hormônio. A mais recente aposta é a ideia de que comer grandes quantidades de carne — de preferência as mais gordurosas — seria o caminho mais rápido para elevar a testosterona ao topo.

O argumento ganhou tanta força que hoje há influencers — sem formação em nutrição — acumulando seguidores e vendendo cursos com a chamada “dieta da selva”, um cardápio supostamente inspirado nos “tempos das cavernas” ou no estilo de vida dos “vikings”.

A proposta é uma alimentação restritiva, centrada em carne vermelha, vendida como o atalho para perda de peso e para turbinar testosterona. Um dos promotores dessa ideia acumula quase 800 mil seguidores nas redes sociais e, além do excesso de carne, recomenda ainda tomar água com sal todos os dias (um risco para pessoas hipertensas) e tomar sol diariamente sem protetor solar — tudo isso como parte de um estilo de vida que, nas palavras dele, “viraliza porque vai contra as diretrizes de saúde”.

Colesterol = testosterona? 

Um dos argumentos mais repetidos por quem abraça a ideia da “carne que aumenta testosterona” é o seguinte: gordura saturada eleva o colesterol, e o colesterol seria a “matéria-prima dos hormônios”. Logo… quanto mais gordura animal, mais testosterona no corpo. À primeira vista, a lógica parece fazer sentido, mas a história é bem mais complexa — e, como resume o endocrinologista Alexandre Hohl, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), “desmorona na primeira página de fisiologia”.

Ele explica que esse raciocínio costuma surgir quando alguém descobre que o colesterol participa da produção dos hormônios sexuais — testosterona, estradiol, progesterona — e conclui que comer mais gordura seria um “empurrão” para produzir mais hormônio. “É uma conclusão apressada e distorcida. Aparentemente faz sentido, mas não tem plausibilidade clínica”, diz Hohl.

O motivo é simples: o organismo já dá conta do recado. Dentro de uma alimentação comum, o corpo recebe tudo o que precisa e produz o restante. Só para ter ideia, o fígado é responsável por cerca de 70% a 80 de todo o colesterol circulante e ajusta essa produção conforme a demanda. Por isso, lotar o prato de carne não acelera a fabricação hormonal. Se alguma coisa muda com dietas ricas em gordura, costuma ser o metabolismo, não a testosterona.

Continua após a publicidade

“Falta de colesterol só aparece em casos de desnutrição extrema”, reforça Hohl, que também é diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). E, para completar, as glândulas responsáveis pelos hormônios — suprarrenais, ovários ou testículos — funcionam com os estoques normais e já esperados do nosso corpo. 

Ou seja: não é elevando o nível de colesterol que o corpo sai produzindo mais testosterona. Quem manda na produção hormonal não é o churrasco do fim de semana, mas sim um sistema super controlado chamado eixo hipotálamo–hipófise–gônadas (o nome é complicado, mas a lógica é simples: é um circuito interno que regula a fabricação dos hormônios sexuais, deixando tudo dentro dos parâmetros necessários para nosso corpo funcionar do jeito necessário).

Os riscos

Na prática, o que acontece é quase sempre o contrário do que os influencers prometem. Ter uma dieta focada no consumo exagerado de carne vermelha tende a aumentar o LDL, o colesterol que ninguém quer ver subir. E quem sai perdendo é o coração

“Nós não queremos excesso de colesterol, principalmente a fração ruim, porque ela se deposita nos vasos sanguíneos e cria um processo chamado aterosclerose, que é o entupimento das artérias. O principal risco disso é infarto e AVC”, explica Hohl. Fora que o excesso de proteína e gordura pode sobrecarregar os rins, um perigo especialmente para quem já tem alguma disfunção renal (e às vezes nem sabe).

Continua após a publicidade

Outro risco, de acordo com Andrea Bottoni, nutrólogo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, são as deficiências nutricionais. “Um adulto saudável precisa comer de tudo. Quando você restringe a dieta a um único alimento ou a grupos específicos, até ingere alguns nutrientes, mas deixa de lado muitos outros”, diz Bottoni.

Ele lista alguns exemplos que ajudam a visualizar isso: magnésio, importante para funções hormonais, está presente em folhas verdes. Gorduras boas podem vir do abacate. Compostos bioativos importantes vêm do alho e da cebola. Já o zinco e outras gorduras saudáveis são encontrados em castanhas, nozes e sementes. “É esse tipo de mistura de nutrientes que faz o organismo funcionar bem.”

E não é só opinião individual. As principais referências de alimentação saudável — da dieta mediterrânea ao Guia Alimentar para a População Brasileira — trazem um ponto comum: a variedade. “Todos os estudos sérios apontam nessa direção. Dietas muito restritas ou que giram quase inteiramente em torno de um único alimento simplesmente não se sustentam”, reforça o nutrólogo.

No fundo, chega a ser irônico. A tal dieta “ancestral” não tem nada de ancestral. Nossos antepassados reais — aqueles que viveram antes da agricultura, da ultraprocessamento e do delivery — tinham uma alimentação muito mais diversa do que essa versão de internet. Mesmo com possíveis dificuldades, havia raízes, folhas, tubérculos, sementes, frutas, insetos, peixes… um cardápio que passa longe da caricatura simplificada de comer carne no café, no almoço e na janta.

Continua após a publicidade

Testosterona: quando deve ser preocupação?

A febre da testosterona trouxe também a ideia de que pessoas saudáveis deveriam “otimizar” o hormônio, mesmo quando seus níveis já estão na faixa considerada normal. Não é bem assim. Segundo Hohl, não existe benefício em tentar elevar um valor que já está adequado para aquela pessoa. “O que é normal é normal. É simples assim”, afirma o médico, lembrando que empurrar esse número para cima — especialmente com altas doses usadas no chamado “ciclo” ou “bomba” — pode ser arriscado, trazendo efeitos que vão de danos ao fígado e ao coração até prejuízo para a fertilidade.

Ele lembra que essa lógica de que “mais é melhor” vem, em partes, de uma herança da onda de “modulação hormonal” que circulou há 10 ou 15 anos. “Criaram a ideia de que colocar um pouco mais dentro do normal traria algum ganho. Não traz. Um homem com testosterona de 500 é tão normal quanto outro com 600 ou 800, sem qualquer tipo de ‘vantagem fisiológica’”, explica. 

A preocupação de fato começa quando há suspeita de hipogonadismo, condição em que o organismo não produz testosterona em quantidade suficiente para atender às suas funções, o que pode resultar em disfunção erétil, fadiga e alterações de humor. Mas o diagnóstico não se apoia apenas em um número isolado no exame.

“Hipogonadismo é um diagnóstico clínico. O paciente precisa ter sintomas compatíveis, exames repetidos e a retirada de possíveis fatores desencadeadores, porque o quadro pode surgir por diferentes motivos. Só assim faz sentido discutir tratamento”, explica o endocrinologista.

Continua após a publicidade

Hipogonadismo: o que realmente funciona como tratamento? 

Quando existe suspeita real de hipogonadismo, vale separar o que realmente funciona do que apenas parece promissor. E, segundo Hohl, a resposta passa bem menos por “superalimentos” e muito mais por mudanças sustentadas no estilo de vida. “Existem inúmeros estudos mostrando que, quando um homem com excesso de adiposidade perde peso, a testosterona sobe”, afirma.

Ele cita um trabalho feito pela equipe da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que acompanhou homens submetidos à cirurgia bariátrica. “Seis meses depois, a elevação da testosterona foi em torno de 70%. Todos tinham hipogonadismo antes da cirurgia. A perda de peso foi suficiente para reverter o quadro”, conta. Ou seja: para quem tem testosterona baixa por causa do excesso de peso, emagrecer pode, sim, fazer diferença.

Mas não é só isso. Hohl destaca que sono, atividade física, alimentação equilibrada e controle do estresse também influenciam o eixo hormonal. Esses fatores formam o que ele chama de “ambiente metabólico favorável”, condições que permitem que o corpo volte a produzir testosterona de forma adequada quando não há nenhuma doença estrutural por trás.

E aqui entra outro ponto importante: é preciso separar os casos. “Se o homem não tem os testículos por causa de um acidente, ou se retirou a hipófise por causa de um tumor, ele simplesmente não vai produzir testosterona. Não adianta dieta, suplemento, carne vermelha. Esses são quadros estruturais, que exigem reposição hormonal”, afirma.

Continua após a publicidade

Já para quem não tem nenhuma alteração anatômica, mas apresenta testosterona baixa associada ao estilo de vida, é possível tentar intervenções não medicamentosas primeiro, embora nem sempre funcionem. “Quando não dá certo, temos medicamentos que estimulam a produção de testosterona e, em alguns casos, a própria reposição hormonal”, diz o endocrinologista. 

“No fim das contas, não existe fórmula de bolo. Cada caso precisa ser avaliado com cuidado. Mas sobra uma certeza: se a testosterona está baixa, não é a carne vermelha que vai resolver o problema”, complementa Hohl.

Compartilhe essa matéria via:

Publicidade

About admin