Pouca gente já ouviu falar de Essuatíni, uma nação de 1,2 milhão de habitantes encabeçada por uma monarquia absolutista no sul da África, onde quem dá as cartas há quase quatro décadas é o rei Mswati III. Pois na semana passada o país, antes chamado de Suazilândia, veio aos holofotes graças à chegada de cinco estrangeiros que tinham como destino um de seus presídios. A operação algo improvável foi chancelada pela Suprema Corte americana após a Casa Branca selar um acordo com Essuatíni para despachar criminosos que ingressam ilegalmente nos Estados Unidos para o outro lado do oceano. Dias antes, um grupo de oito imigrantes condenados já havia ido parar no Sudão do Sul. A ideia se espalha globo afora, com governos europeus, como os de Dinamarca e Suécia, enviando infratores para cumprir sua pena em lugares como Kosovo e Estônia, respectivamente.
A exportação de detentos compõe um novo mercado de elevadas cifras, que ascende sob o impulso do cerco à imigração, tendência em alta em porções variadas do planeta (veja o quadro). Cada vez mais empregada, a prática é para lá de controversa sob o ângulo dos direitos humanos, já que os presos saem do raio de responsabilidade do país onde deveriam ser encarcerados. Não por acaso, a opção é restringi-la aos imigrantes, um contingente cujos direitos legais se situam muitas vezes em zona cinzenta. É, de todo modo, uma multidão de gente, representando parcela crescente nos presídios — uma fatia em torno de 20% na Europa e nos Estados Unidos.

Mandá-los para outro canto é solução para o nó da superlotação carcerária, fenômeno que ganha envergadura com o aumento geral da criminalidade e a impossibilidade, não raro por falta de terreno, para construir centros de detenção, o que leva tempo e custa caro. Segundo dados recentes, a União Europeia registra taxa de ocupação média de suas celas de 95%, e penitenciárias federais dos Estados Unidos chegam a funcionar com 113% de sua capacidade. “É muito mais fácil transferir os presos para outro lugar”, avalia a canadense Adelina Iftene, autora do livro Direito Penal Transnacional e Transfronteiriço.
O que faz países menos desenvolvidos aceitarem levas de presidiários de diferentes nacionalidades gira em torno de uma equação simples: eles ainda têm espaço em seus centros de detenção e, abrindo as portas a americanos e europeus, põem os pés em um profícuo negócio. O Kosovo, na península dos Bálcãs, está cobrando 200 milhões de euros (na casa de 1,3 bilhão de reais) para receber na prisão de Gjilan, por dez anos, 300 presos egressos da Dinamarca. Acordo semelhante está para ser fechado com a Bélgica. Na Estônia, no Leste Europeu, onde quase metade das dependências penitenciárias ainda se encontra às moscas, a estimativa de lucro com o negócio é de 30 milhões de euros anuais (195 milhões de reais) — dinheiro que começou a afluir em junho, vindo da Suécia. O motor para países nórdicos recorrerem à exportação de presos é que todos registram uma subida na violência, cravando o maior índice de mortes por arma de fogo per capita da União Europeia. Logo o sistema prisional extrapolou seus limites, com 141% de ocupação. E foi aí que Estocolmo acertou com a Estônia desembolsar 8 500 euros por mês por detento instalado ali — menos do que os 11 500 que custam em solo escandinavo.

Um dos potentes motores para a transferência é o vigor renovado de partidos de extrema direita, que agitam a bandeira linha-dura tanto na questão da imigração quanto na da segurança, colhendo como resultado mais gente na prisão. A Suécia, onde os radicais têm voz no Parlamento, anunciou recentemente um pacote de recomendações para o sistema penitenciário que, caso saia do papel, se desdobrará em significativo aumento das sentenças. É um movimento que, como outros de natureza parecida, cria oportunidade no business da exportação de presos. Um componente dessa engrenagem que enseja países a abraçarem a ideia é de fundo mais simbólico, mas nem por isso menos importante. “As imagens de criminosos sendo enviados para longe têm potencial de recompensa dupla nas urnas: os líderes podem se pintar como paladinos da lei e da ordem e, ao mesmo tempo, se firmar como combatentes da imigração ilegal”, afirmou a VEJA o australiano Ben Saul, relator especial da ONU.
De acordo com especialistas, a ameaça de deportações a lugares onde a proteção dos direitos humanos costuma ser mais frágil tende também a funcionar como um desincentivo à imigração ilegal, um dos mais caros pilares da gestão Trump. “Vejo aí um objetivo de assustar, estimulando saídas voluntárias do país e reduzindo as tentativas de cruzar a fronteira”, observa Robert Rogers, professor de justiça criminal da Middle Tennessee State University. Ele não é o único a situar a nova política, que espetaculariza as operações de envio de detentos, no rol dos fatores para a queda nas tentativas de ingresso em território americano: apenas 6 000 apreensões foram realizadas na fronteira em junho, o menor número desde os anos 1960. Só que a medida traz embutido um enrosco que faz a turma de direitos humanos compreensivelmente torcer o nariz para o modelo — o preso acaba saindo da jurisprudência do país de onde se originou. Ocorreu no notório caso de Kilmar Ábrego García, um salvadorenho expulso por engano dos Estados Unidos, fato mais tarde reconhecido pela Justiça americana, que arbitrou em favor de seu retorno. Mas faltou combinar com o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que custou a devolver o imigrante, lançado a um limbo jurídico.

Há mais riscos contidos no negócio que floresce, entre os quais não conseguir garantir algo valioso previsto nos acordos que vêm sendo firmados: oferecer em solo estrangeiro as mesmas condições carcerárias que o preso teria no país de onde veio. Dinamarca e Suécia, por exemplo, exigem que as unidades que “alugam” obedeçam ao padrão escandinavo, o que parece inexequível diante da impossibilidade de fiscalização e da própria infraestrutura disponível, a qual quase invariavelmente demanda reformas. Também são mencionados como potenciais problemas a distância dos familiares (condenada pela ONU), a barreira da língua e a inexperiência dos funcionários envolvidos no trato com estrangeiros, o que requer contratação ou requalificação de uma multidão de agentes.
Iniciativas recentes para erguer novos presídios também vivem enredadas em polêmica, por despertar dúvidas bastante razoáveis sobre as condições oferecidas. Uma prisão inaugurada um mês atrás por Trump na Flórida, exclusiva para imigrantes, não demorou a ser chamada de “Alcatraz dos jacarés”, por estar fincada em meio a um pântano abundante nesses répteis. Também o governo de Emmanuel Macron, na França, tem enfrentado críticas depois de anunciar a construção de uma prisão na Guiana Francesa, território sob seu domínio na América do Sul. Ficará justamente no local onde funcionou até 1952 a colônia penal francesa conhecida como Ilha do Diabo, cenário do filme Papillon, baseado na autobiografia homônima de um homem condenado injustamente à prisão perpétua e que sofreu por lá maus-tratos os mais diversos. “O que estamos vendo é um retorno a velhas práticas de banimento típicas dos tempos sombrios em que enviávamos condenados para ilhotas remotas”, afirma a criminologista Meritxell Abellan Almenara, da Universidade de Montreal. Mais uma justa ponderação sobre a qual as autoridades devem refletir antes de despachar gente para Essuatíni.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954