Uma revelação surpreendente: o filme fotográfico, o tal rolinho de película com até 36 poses, voltou com força. Parecia modalidade restrita a nichos de grandes profissionais afeitos a modelos analógicos, fadada a morrer, sem pompa nem circunstância, como outras tecnologias obsoletas, a exemplo das fitas cassete e VHS.
É fenômeno saudosista, digamos assim, que passou antes pelo renascimento inesperado das câmeras digitais, como se houvesse algum cansaço com as infinitas ofertas dos smartphones. Direto ao ponto: a geração Z, de vinte e poucos anos, deu de olhar para trás, e não há aí nenhum recuo comportamental, algum tipo de conservadorismo tolo. Não é isso. “A nostalgia é um arquivo que remove as arestas dos bons velhos tempos”, diz o jornalista americano especializado em tecnologia, Doug Larson.
A onda pode ser medida em cifras. O mercado global de câmeras analógicas é estimado, hoje, em 18,4 bilhões de dólares e pode chegar a 26 bilhões em 2030. É bom, sem dúvida, mas quase nada comparado ao mar de negócios com smartphones, avaliado em estrondosos 578 bilhões de dólares. Mas essa expansão não pode ser desdenhada. É conveniente não medi-la apenas pelo tamanho das vendas, porque se trata de caminhada mais delicada, com um quê de rebeldia. Acostumados a fazer tudo pelo celular, os jovens passaram a buscar uma relação diferente com a fotografia. Primeiro, se voltaram para as digitais portáteis, como a popular Cyber-shot, para ter um equipamento dedicado apenas ao registro das imagens, sem as firulas do Instagram. Agora, buscam a imperfeição dos modelos do passado, e há nesse passo um toque de ironia — afinal, a estética retrô da película é buscada por praticamente todos os aplicativos de fotos das redes sociais, com filtros para tudo quanto é gosto.
É travessia feita de obstáculos, que impõe limitações, embora seja possível superá-las. É comum encontrar câmeras com problemas, e falta mão de obra especializada para o conserto. Exemplares em bom estado não são baratos: uma Leica antiga chega a custar 10 000 reais em sites de usados. Há ainda o desafio do filme. Um rolo de 36 poses produzido pela Kodak ou pela Fujifilm custa cerca de 150 reais em lojas on-line. Por fim, são poucos os lugares que fazem a revelação. Em grandes metrópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, há espaços físicos que oferecem o serviço, mas são poucos. Em outras cidades, é preciso mandar o rolo pelo correio e esperar para receber as fotos em casa. O processo custa cerca de 130 reais, além do valor do envio.
Mas a tendência é firme, e não por acaso grandes empresas, atentas à febre, decidiram se mexer. A Kodak é uma delas. Alguns de seus lançamentos são modelos portáteis, de fácil manuseio (veja no quadro), com estética vintage e variadas opções de cores. Neste ano, houve também o lançamento da Kodak Charmera, uma pequena câmera de brinquedo, inspirada na década de 1980, que despertou o interesse do público e tem vendido bem. O desempenho do equipamento pode ajudar a centenária companhia, que já enfrentou dificuldades financeiras justamente por não conseguir se adaptar aos novos tempos. No mais recente balanço financeiro, apresentado em agosto, registrou um prejuízo de 26 milhões de dólares. A Fujifilm soube aproveitar ainda melhor esse renovado interesse com a Instax, câmera portátil, oferecida em uma variedade de tonalidades chamativas, que imprime retratos na hora, como os da antiga Polaroid. Em abril deste ano, a empresa japonesa anunciou ter batido a marca de 100 milhões de unidades comercializadas no mundo todo. Mais de 90% delas foram compradas fora do Japão, o que mostra o apelo global.
Há, enfim, fascinante mescla de genuíno interesse casado com oportunidade de marketing. Pode ser nuvem passageira, talvez sim, mas está aí para ser acompanhada com interesse, o lado B do exagero imposto pelos algoritmos em tempo de inteligência artificial. Uma piscadela para ontem mal não faz, além de ser um hobby agradável. Nas palavras do fotógrafo americano Robert Adams, que tem trabalhos expostos no MoMA, em Nova York, e em outros reputados museus e galerias pelo mundo: “Nenhum lugar é chato se você teve uma boa noite de sono e tem o bolso cheio de filme virgem”.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
