Ondas de calor, secas severas e enchentes estão encarecendo a comida no prato de bilhões de pessoas.
Uma nova pesquisa liderada pelo Barcelona Supercomputing Center revela como o avanço das mudanças climáticas está provocando aumentos bruscos e localizados no preço de alimentos básicos, de forma cada vez mais frequente e imprevisível.
Ao analisar dezenas de episódios recentes, os cientistas identificaram uma relação direta entre fenômenos extremos do clima e altas expressivas nos preços, muitas vezes em poucos meses.
Batatas no Reino Unido, cebolas na Índia, repolhos na Coreia do Sul, arroz no Japão e até chocolate no Reino Unido subiram de preço após condições meteorológicas intensas que afetaram a produção ou o transporte desses itens.
Mais do que uma oscilação de mercado, essa volatilidade alimentar revela a fragilidade do sistema global diante do colapso climático, e traz consequências não apenas para o consumidor, mas para a inflação, a segurança alimentar e a estabilidade econômica em diversos países.
Calor recorde, colheitas prejudicadas e preços em alta
Segundo o estudo, que cruza dados climáticos com séries de preços, a alta de determinados alimentos tem ocorrido logo após episódios extremos.
Em 2023, a cebola indiana saltou 89% após uma forte onda de calor. O repolho coreano subiu 70%, e o arroz japonês, 48%, após um agosto de temperaturas históricas.
Na Europa, o azeite de oliva ficou 50% mais caro em razão de duas safras atingidas por secas prolongadas na Espanha. E nos EUA, vegetais da Califórnia e do Arizona dispararam 80% após uma seca intensa.
Em comum, esses eventos climáticos foram classificados como “sem precedentes históricos”.
Segundo Maximilian Kotz, principal autor do estudo, as temperaturas registradas em muitos desses países estavam muito além do esperado num clima estável, sem a influência das emissões humanas de gases de efeito estufa.
Um fenômeno cada vez mais frequente
O levantamento revelou que essas explosões de preços geralmente acontecem em um intervalo de poucos meses após o evento climático, e a tendência é que esse padrão se intensifique com o avanço do aquecimento global.
Se nada mudar no modo como os sistemas alimentares reagem a esses choques, “é provável que vejamos repetições cada vez mais extremas e imprevisíveis desse padrão”, conclui o estudo.
Choques locais, efeitos globais
A pesquisa também mostra como eventos climáticos localizados reverberam globalmente. O chocolate britânico, por exemplo, ficou mais caro após o preço do cacau triplicar devido à seca e ao calor extremo em Gana e na Costa do Marfim, grandes exportadores da commodity.
Esse efeito dominó pode se agravar quando políticas mal planejadas entram em cena.
Em 2010, incêndios florestais alimentados pelo calor extremo elevaram o preço do trigo na Rússia. Em resposta, o país suspendeu exportações, o que disparou os preços globais.
Pressão sobre governos e bancos centrais
Para países altamente dependentes de importações, como o Reino Unido, essas flutuações são ainda mais arriscadas. A coautora do estudo, Anna Taylor, diretora da Food Foundation, destaca que climas extremos no exterior podem desestabilizar economias locais com rapidez.
A escalada nos preços dos alimentos também desafia os bancos centrais, especialmente nos países emergentes, onde a comida representa boa parte do índice de inflação.
A inflação britânica subiu para 3,6% em junho, o maior patamar em 18 meses, puxada em parte pelos preços mais altos de frutas, verduras e outros alimentos essenciais.
Nutrição ameaçada nos lares mais pobres
Quando os preços disparam, as famílias mais vulneráveis são as primeiras a sentir os impactos no prato.
Segundo Taylor, “as pessoas tendem a cortar alimentos nutritivos como frutas e hortaliças”, o que aprofunda a desigualdade alimentar.
A insegurança nutricional é um dos efeitos menos visíveis, porém mais duradouros, da crise climática.
COP30 e o desafio da segurança alimentar
Diante desse cenário, a COP30, que acontecerá em 2025 em Belém, no Pará, ganha importância estratégica.
A conferência climática das Nações Unidas deve reunir chefes de Estado e especialistas para definir metas de emissões até 2035, discutir formas de financiamento climático para países vulneráveis, e propor soluções de adaptação para o setor agrícola e alimentar.
Com os impactos das mudanças climáticas já pressionando a inflação e o acesso à comida, o debate sobre segurança alimentar climática promete ser um dos pilares da COP30.
A estabilidade econômica e social do século XXI passa, inevitavelmente, pela proteção das cadeias alimentares diante da emergência climática