O chef e apresentador Edu Guedes passou por uma pancreatectomia corpo-caudal com esplenectomia após ser diagnosticado com câncer no pâncreas, doença silenciosa e frequentemente detectada em estágios avançados. Esse tipo de procedimento envolve a retirada da porção esquerda do pâncreas, além do baço, e é considerado menos invasivo do que as cirurgias realizadas na cabeça do órgão.
“Tive sorte, porque o tumor estava no início e localizado na cauda”, contou Guedes em um vídeo publicado no seu canal. Ele descobriu a doença por acaso, depois de fazer exames por causa de uma crise de cálculo renal. Isso é mais comum do que parece: muitas vezes, o câncer de pâncreas só aparece nos exames feitos por outros motivos ou nos estágios avançados, que é justamente quando os sinais, como urina escura e icterícia, começam a aparecer.
Segundo o cirurgião oncológico Felipe José Fernández Coimbra, do A.C.Camargo Cancer Center, o pâncreas é dividido anatomicamente em cabeça, colo, corpo e cauda. Na pancreatectomia corpo-caudal, remove-se justamente a região esquerda do órgão, onde se encontram o corpo e a cauda. “Tecnicamente, é uma cirurgia que pode ser realizada por via aberta, laparoscópica ou robótica. Estas últimas são minimamente invasivas, feitas com pequenos cortes e uso de câmera”, explica.
A duração do procedimento pode variar entre duas e cinco horas, dependendo do tamanho do tumor e da complexidade cirúrgica. No caso de Guedes, a cirurgia levou cerca de seis horas.
A retirada do baço (esplenectomia) costuma acompanhar a pancreatectomia corpo-caudal porque esse órgão está aderido à cauda do pâncreas. Os vasos que irrigam o baço também nutrem o pâncreas, o que dificulta a separação segura das estruturas.
“A retirada do baço é indicada principalmente em casos de tumores malignos. Ela ajuda a garantir margens de segurança e permite a retirada de linfonodos próximos, o que é essencial do ponto de vista oncológico”, afirma Coimbra.
O cirurgião oncológico Raphael Di Paula, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, acrescenta que, em lesões pré-malignas, como a neoplasia papilar mucinosa intraductal (IPMN), é possível preservar o baço. “Nesses casos, pode-se realizar a pancreatectomia corpo-caudal sem a esplenectomia”, diz.
Embora os tumores na cauda do pâncreas sejam menos comuns que os da cabeça, eles não são considerados raros. O principal desafio está na detecção precoce. Os tumores localizados na ‘cabeça’ do pâncreas costumam causar obstrução biliar, o que leva ao aparecimento de icterícia, um dos sinais responsáveis por sinalizar que algo não vai bem. “Já os tumores na cauda crescem de forma ainda mais silenciosa e podem ter um diagnóstico ainda mais difícil”, explica o médico do A.C Camargo Cancer Center.
Vale ressaltar que o tratamento com cirurgia só é indicado quando o tumor não invadiu vasos sanguíneos ou estruturas adjacentes. Em estágios mais avançados, como naqueles em que a doença se espalha para outros órgãos, o tratamento costuma envolver quimioterapia, com ou sem radioterapia.
Riscos e recuperação
Apesar de menos invasiva que outras cirurgias pancreáticas, a pancreatectomia corpo-caudal com esplenectomia é uma cirurgia de grande porte e exige atenção no pós-operatório. “O principal risco é a fístula pancreática, um vazamento do suco pancreático que pode ocorrer porque o pâncreas é um órgão de cicatrização lenta”, explica Di Paula. Outros riscos incluem sangramentos, infecções por acúmulo de líquidos e trombose.
A retirada do baço também impõe cuidados adicionais. Como o órgão tem uma função imunológica importante, sua remoção aumenta o risco de infecções por bactérias. Por isso, é válido aplicar vacinas específicas, como a pneumocócica e meningocócica -, antes ou logo após a cirurgia. “A vacinação é uma medida preventiva importante”, reforça Coimbra.
A recuperação varia de paciente para paciente. A alta hospitalar costuma ocorrer entre o terceiro e o sétimo dia. Durante esse período, é comum haver atraso no funcionamento do trato digestivo, exigindo uma introdução gradual da alimentação e refeições mais fracionadas.
Outro ponto importante é o impacto funcional da cirurgia. O pâncreas é responsável pela produção de insulina e enzimas digestivas. Com isso, cerca de 20% dos pacientes podem desenvolver algum grau de diabetes. “Em algumas situações, há também necessidade de reposição das enzimas digestivas, feita por meio de cápsulas tomadas durante as refeições”, explica Coimbra.
Apesar dos riscos e desafios, a cirurgia oferece boas perspectivas quando o tumor é diagnosticado precocemente. “Se a cirurgia é feita com princípios oncológicos adequados, há excelente chance de controle local e até cura”, afirma o médico do A.C.Camargo.