Aos 66 anos, Cininha de Paula coleciona trabalhos emblemáticos na TV. Irmã de Chico Anysio, dirigiu na Globo Escolinha do Professor Raimundo, Zorra Total, A Grande Família, Sítio do Picapau Amarelo, A Turma do Didi, TV Pirata e temporadas de Malhação, além de ter comandado na Record novelas como Bela, a Feia e Rebelde. No cinema, dirigiu os longas Crô – O Filme (2013) e Crô em Família (2018), ambos inspirados no personagem de Aguinaldo Silva. No teatro, assinou a direção de diversas comédias e musicais, colaborando com Heloísa Périssé, Ingrid Guimarães e montagens musicais relacionadas à obra de Erasmo Carlos. Seu lançamento mais recente é o livro Caminhos do Ator – Do Palco à Câmera, em que reúne aprendizados de décadas na TV, no teatro e no cinema. Além de trazer reflexões sobre técnica, dedicação e reinvenção, a obra surge da vivência de quem passou anos ensinando atores em diferentes palcos e telas. A seguir, a conversa da diretora com a coluna GENTE.
Por que escrever esse livro agora? Era uma coisa que já estava agendado há algum tempo. Quando, há dois anos atrás, resolvi dar um curso online, cheguei à conclusão de que as pessoas precisavam de um guia, de algo que elas se sentissem acolhidas e com compreensão para continuar no trajeto do caminho do ator, que é árduo e difícil.
Você se dedicou muito tempo à direção. O que te levou a se dedicar a essa parte? A minha carreira sempre foi direcionada para isso. Quis ser atriz para ser diretora. A minha intenção sempre foi dirigir. A gente não tem muita explicação para quem gosta de algo, a gente gosta. É um processo criativo tão intenso quanto o do ator.
Qual foi sua maior contribuição neste tempo que trabalhou com o humor na TV? O que eu contribuí, não sei. Sei o que fiz. Só quem vai poder dizer é, daqui a alguns anos, as pessoas: “Ela realmente contribuiu para isso”. O humor sempre me visitou de uma forma intensa, pelo fato de ter uma família ligada diretamente ao humor. E ter tido a oportunidade de aprender com quem na realidade é o top de linha, Chico Anysio. As oportunidades foram surgindo, fui gostando, fui me aperfeiçoando, fui estudando, fui querendo melhorar. Mas o drama também habita em mim.
Como vê o humor hoje em dia na TV? Eu quase não vejo nada. Stand-up é um tipo de humor que não é o humor, digamos assim, do cotidiano, da crítica, de nada. O stand-up é baseado em fatos que você, enquanto ser humano, vivenciou e transforma aquilo em piada. É um outro tipo de vertente. É diferente do humor crítico, do humor de denúncia, do humor social, do humor político. Stand-up é um gênero do humor, mas não é o humor na sua essência. Humor é poesia.
Sente falta dos formatos tipo sitcom? Sim, porque a identificação direta do ser humano é o humor. Com o humor, a gente consegue dar leveza para dizer o que é mais duro. A gente tinha um horário nobre durante muitos anos que era todo permeado de humor, cada um melhor que o outro. Posso citar vários que nem fiz parte, mas que fiz parte de uma geração que ajudou a estar lá. Tapas e Beijos, A Grande Família. Mister Brown e Sob Nova Direção, Sai de baixo, Toma Lá de Cá, Pé na Cova, A Vida Alheia, Brasil a Bordo. Olha a quantidade de coisas. Zorra Total, Balança Mas Não Cai, A Praça é Nossa. E todas as novelas das setes tinham um núcleo de humor muito forte.
Não há humor, dentre tantos que você lembrou, que ficou datado? Não. De jeito nenhum o humor nunca vai ser datado. Nunca. Se eu colocar agora para você rever de TV Pirata, todo mundo vai rir das mesmas coisas, apesar de ser uma crítica do que era naquela época.
Você se considera “pulso firme” no set? Sei o que quero e sei como andar, tenho voz de comando. Ao mesmo tempo, sou delicada. Apesar de todo mundo, pelo fato de eu ter essa voz grave, achar que posso ser brava, mas não sou de ficar de gracinhas. É tudo tão difícil dentro de um set. Você tem tantas perguntas para responder de todas as áreas, que precisa estar ligado no que está fazendo.
Alguém já ficou triste com você por ter este estilo? Se ficou, não sei.
Ninguém reclamou? Não teve coragem de reclamar.
Tem algum programa que gostaria de ter dirigido? Ou que fez e se frustrou? Frustração nunca tive. É claro que tenho muita vontade de fazer coisas. Um filme do Toma Lá Dá Cá, um filme do Pé na Cova. Mas não me frustrei porque também não morri ainda. O tempo está aí. O autor está vivo e as possibilidades ainda existem. A gente precisa de dinheiro, um momento, texto e elenco certo, para diminuir possíveis erros, que vão existir. Ninguém é perfeito.
Qual foi a maior injustiça que já sofreu na carreira? Fui muito afortunada, trabalhei com gente muito inteligente. Começando pelo meu tio Chico Anysio, Miguel Falabella, Arthur Xexéo, Flávio Marinho, João Emanuel Carneiro e Jaqueline Vargas. Me considero uma pessoa bem sortuda.
Como é sua relação com a Globo hoje? Super cheia de amigos. Eles me chamaram algumas vezes para voltar e infelizmente não pude, por motivos outros que já estava comprometida com outras pessoas, mas fiz ali 30 anos da minha vida.
Falta espaço para que tipo de atuação na TV? Temos muito que andar. Somos um país de 60% de pretos. Por que não tem preto em tudo? Se olhar as novelas de antigamente, não se via um preto. Eu, graças a Deus, trabalhei com uma pessoa que sempre deu espaço para eles: o Miguel. Nos elencos dele, era tudo mais ou menos igualitário. Não era mais, porque não era cultural ser mais do que ele colocava. Mas as coisas estão caminhando. Tudo a passos lentos. Mas caminhando.
Traz alguma mágoa na carreira? Não sou desse tipo que carrega mágoa. Tudo que acertei ou errei, ou de certa forma fui chamada atenção, a pessoa sabia o que estava fazendo. No exato momento, às vezes, a gente não reconhece, mas depois vê que tinha razão.