Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram quantificar a relação entre ondas de calor extremas e a poluição causada por empresas específicas de combustíveis fósseis e cimento.
O estudo, publicado pela revista Nature, amplia o alcance das pesquisas sobre eventos climáticos extremos e pode ter efeitos nos tribunais.
A análise examinou 213 ondas de calor registradas em todo o mundo entre 2000 e 2023, um salto em relação a estudos anteriores, que focavam apenas em episódios isolados.
A conclusão é clara: a queima de carvão, petróleo e gás tornou as ondas de calor muito mais prováveis e intensas nesse período.
Segundo Yann Quilcaille, pesquisador da ETH Zurique e autor principal, o risco de ondas de calor passou de 20 vezes maior na primeira década analisada para 200 vezes maior na segunda.
Em até um quarto dos eventos estudados, eles seriam “virtualmente impossíveis” sem as emissões de apenas 14 grandes poluidores, as chamadas carbon majors, que incluem gigantes como ExxonMobil e Chevron e até países produtores, como a antiga União Soviética.
O estudo também aponta que essas empresas foram responsáveis por 50% do aumento da intensidade das ondas de calor desde a era pré-industrial.
Mesmo os menores emissores entre os carbon majors contribuíram para ondas de calor que não teriam ocorrido sem sua poluição.
Na prática, isso significa que o aquecimento global provocado por esses atores tornou mais graves, ou até possíveis, eventos que mataram milhares de pessoas em cidades como Londres e Nova York.
Entre 2010 e 2019, por exemplo, a intensidade média das ondas de calor cresceu 1,68°C em relação ao período pré-industrial.
Desses, quase 0,5°C foram atribuídos apenas às 14 maiores empresas de combustíveis fósseis e cimento.
O trabalho reforça uma tendência: conectar eventos climáticos extremos a responsáveis específicos.
O caráter inovador da pesquisa também está na equipe: entre os autores há uma professora de direito, Corina Heri, da Universidade de Tilburg, especializada em litígios climáticos.
A expectativa é que os resultados reforcem ações judiciais que buscam obrigar grandes petroleiras a arcar com os custos das mudanças climáticas.
O trabalho abre caminho para investigações semelhantes em outros eventos extremos, como enchentes e incêndios florestais.
O que é a ciência da atribuição?
A chamada ciência da atribuição é uma área relativamente nova da pesquisa climática. Ela busca responder a uma pergunta simples, mas poderosa: até que ponto um evento extremo aconteceu por causa da mudança climática provocada pelo homem?
Funciona como uma espécie de “investigação forense do clima”. Os cientistas usam modelos de computador para comparar dois mundos: um com as emissões de gases de efeito estufa produzidas pela atividade humana e outro sem elas.
A diferença entre os cenários mostra o quanto a ação humana aumentou a chance de ocorrer uma onda de calor, uma seca ou uma enchente.
Esse campo é inovador porque permite transformar uma ideia abstrata, o impacto global do aquecimento, em algo concreto e mensurável, que pode ser levado a debates públicos e tribunais.
Antes, a ciência só mostrava tendências gerais; agora, consegue apontar o dedo para responsáveis específicos.