A aparição de Jair Bolsonaro na Catedral da Bênção, em Taguatinga – ajoelhado e contrito entre Michelle Bolsonaro e Magno Malta –, a despeito das restrições impostas por Alexandre de Moraes, é mais um esforço do ex-capitão para, enquanto o julgamento da trama golpista se fecha ao seu redor, manter o vínculo com a base evangélica.
Não há espontaneidade nem devoção no gesto, mas um mero cálculo, com o qual procura transformar a decisão da Justiça em espetáculo de martírio (ou, as lágrimas como recurso retórico).
A narrativa de que se desenrola uma perseguição contra a direita é cuidadosamente alimentada em cultos, púlpitos e pregações.
Nesse cenário, ao se recolher em oração pública, Bolsonaro consegue contornar as cautelares e expor sua imagem nas redes sociais – como um líder acossado, injustamente vítima. Assim, mantém-se como fiador (moral e eleitoral) da extrema direita, ainda que fora das urnas.
A narrativa do “perseguido por sua fé” é poderosa em um país onde a identidade religiosa determina o voto de muitos. Ao mesmo tempo em que Lula tenta reabrir canais com lideranças evangélicas, Bolsonaro procura mostrar que jamais os fechou.
Eis o recado que visa passar ao eleitorado conservador e ao Judiciário: se for preso, representará o cordeiro imolado; solto, o messias da resistência.
Michelle, por sua vez, guarda a reserva eleitoral do marido: enquanto ele chora e silencia, ela fala e prega. A complementaridade do casal nesse altar político-religioso dá azo a uma estratégia de continuidade, dentro da qual vencer a eleição significa salvar a pele (com um indulto futuro). A fé, mais do que elevar a alma, blinda o corpo.