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Chimamanda Adichie: ‘Mulheres que falam só de feminismo são entediantes’

Pela quarta vez no Brasil, Chimamanda Ngozi Adichie, 47 anos, teve agenda cheia para dar conta de compromissos na TV Globo, a Bienal do Livro no Rio de Janeiro e a Feira de Livros em São Paulo. Em março, a autora publicou a obra Contagem dos Sonhos (ed.Companhia das Letras), sobre a história de quatro mulheres diferentes uma das outras, inclusive em contextos não feministas. Em entrevista à coluna GENTE, Chimamanda conta como escrever a respeito de mulheres que não lutam pelo feminismo é importante para um debate maior do tema, além de observar como o Brasil invisibiliza o racismo, “normalmente velado”. 

No seu recente livro A Contagem dos Sonhos, o Brasil é citado como um país que não mostra a população negra que tem. Quando percebeu isso? A personagem Chia fica chocada com quantas pessoas negras há no Brasil, e ela descobriu isso quando veio para cá. É meio a minha história também, fico realmente fascinada com essa ideia de apagamento – quem tem suas histórias contadas e quem não tem. Quem é visível e quem é invisível, de diferentes maneiras. Eu me lembro de ter ficado muito surpresa e até meio burra, pensando: como eu não sabia disso sobre o Brasil? Também é porque a história do povo negro no Brasil é, em grande parte, invisível. Crescendo, a gente via fotos do Brasil e nunca pessoas negras.

Como surgiu seu fascínio pelo Brasil? Tem lugares onde você vai e simplesmente não se sente bem-vinda. E tem outros onde você até se sente bem-vinda, mas sabe que aquele lugar não é para você. E tem outros em que você vai e já se sente confortável imediatamente. Na primeira vez que vim ao Brasil, pensei: ‘esse lugar é a minha cara’. Me senti confortável. Às vezes queria falar português, porque acho que entenderia melhor as sutilezas do Brasil.

Em Contagem dos Sonhos, uma das personagens, se envolve em relacionamento abusivo. Sendo assumidamente feminista, já sofreu críticas por escrever sobre personagens que fogem dessa pauta? Mulheres que falam só sobre feminismo são muito entediantes. Não acharia interessante. Mas também acho que ser feminista não é estar focada só no feminismo. É se envolver com o mundo de maneira ampla, de um jeito que reconheça que as mulheres importam. De certa forma, o feminismo para mim é, sim, uma forma de pensar política, mas também é uma maneira de sonhar. 

Homens podem ser feministas? Se você tivesse me feito essa pergunta há dez anos, teria dito: “sim, claro”. Agora que estou um pouco mais velha e mais sábia, acho que eles podem, mas não do mesmo jeito que as mulheres. Os homens são necessários para o movimento feminista da mesma forma que, se olharmos para a História e pensarmos sobre todos os diferentes sistemas de opressão — sistemas que geralmente beneficiam um grupo e prejudicam outro — frequentemente precisamos de membros do grupo que se beneficia para se juntarem à luta.

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Como equilibra a sensação entre explicar o básico e lidar com o complexo, especialmente sobre o racismo? Sempre fico do lado do simples. O Brasil — de muitas maneiras, como nos Estados Unidos — é um país que, por tanto tempo, tornou sua população negra invisível. As pessoas negras que lutam contra o racismo pagam um preço emocional. Mas, muitas vezes, a população que não é negra, não é que sejam pessoas más, elas realmente não sabem. Frequentemente, quando você está numa posição de privilégio, isso te torna cego.

Se vê como privilegiada? Tenho uma noção muito forte do que significa ser uma pessoa negra no mundo, mas também sou uma pessoa privilegiada pela classe social. O privilégio traz uma cegueira. Sei que, na minha própria vida, isso aparece quando se trata de classe social. Na Nigéria, para quem não tem educação, para quem não tem dinheiro, a vida é diferente, muito diferente. Para isso, acredito muito que quanto mais simples, melhor. Sou uma contadora de histórias. Se você quer tocar o coração das pessoas, conte uma história.

E como abordar o racismo sem mexer nas suas dores? Quando se trata de racismo, isso realmente machuca o meu espírito. Na Nigéria não temos esse problema. Lá não é sobre raça, é sobre etnia. Estar em países como o Brasil ou os EUA, me parte o coração pensar no preço emocional que pessoas negras precisam pagar só para lembrar o mundo de que são seres humanos. Essa é uma grande vantagem de crescer em um país onde todo mundo é negro. Você não pensa em si como “pessoa negra”, todo mundo é como você. Sua religião importa, seu grupo étnico importa, a língua que você fala importa, não a sua aparência. Racismo é tão estúpido. É simplesmente olhar para alguém e já julgá-lo, é tão anti-intelectual.

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Qual é a sua análise dos problemas raciais no Brasil? Vocês têm uma relação complexa com a negritude. Da última vez que estive aqui, estava conversando com uma mulher que olhei para ela e pensei: ‘ela é negra’. Perguntei quais são suas experiências no Brasil e ela me disse: ‘eu não sou negra’. É sobre o colorismo, uma pessoa negra de pele mais clara tem mais oportunidades, é menos ameaçadora. Esperava dela histórias sobre como era ser negra quando você tem pele clara, mas ela agiu como se não fosse. O Brasil é muito estranho. Este é um país em que todo mundo está fugindo da negritude. Isso é tão confuso para mim, como você pode fugir da negritude quando a negritude é bonita? Acho que vocês, brasileiros, são loucos. Ser negro não tem vantagens, então é claro que você vai fugir disso. Eu não sei como é o governo, vocês tinham Bolsonaro, vocês tinham seu Trump… 

E o que pensa sobre o Trump? O que está acontecendo em Los Angeles…O governo de Trump, nos Estados Unidos, é apenas um desastre por tantos motivos, porque é como ter alguém que é simplesmente louco no comando das coisas.

O quanto acha que é governo americano é racista? Há certos governos americanos que fizeram um esforço, mas muitas vezes as pessoas falam sobre ações afirmativas na América como se estivessem fazendo um favor para as pessoas. Muitas vezes na comunidade negra há pessoas que são qualificadas, mas são ignoradas. Para muitas pessoas brancas na América é normal só ver brancos na política. Há racistas que são maus e terríveis, mas a maioria não é má, muitas vezes é eles são cegos. 

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Você fala em sua literatura como a maternidade e a morte de seus pais te afetaram. Como isso ainda te afeta? Desde que me tornei mãe, meus hormônios enlouqueceram, agora fico tão estupidamente emotiva. Piorou depois que perdi meus pais. Antes você nunca me veria chorar, simplesmente não chorava. Meus amigos me diziam ‘Deus, você é como um homem, você não chora’; mas agora eu leio um livro sozinho… É ridículo. 

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