A chefe de gabinete da Casa Branca, Susie Wiles, reconheceu que o presidente Donald Trump tem usado processos criminais como forma de retaliação contra adversários políticos e admitiu que a motivação pessoal do presidente influenciou a ofensiva judicial do governo. As declarações foram feitas em uma série de 11 entrevistas ao jornalista Chris Whipple, publicadas pela revista Vanity Fair.
Segundo Wiles, houve um “acordo informal” com Trump para encerrar a chamada “vingança política” nos primeiros 90 dias de governo, compromisso que não foi cumprido. “Ele não acorda pensando em retaliação, mas, quando surge uma oportunidade, ele vai atrás”, afirmou.
As entrevistas revelam, de forma explícita, que Trump recorreu à máquina do Estado para perseguir figuras que considera inimigas. Entre elas estão a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, responsável por uma condenação civil contra Trump por fraude empresarial, e o ex-diretor do FBI James Comey. Ambos chegaram a ser denunciados, mas os processos foram arquivados pela Justiça, e tentativas de reabertura fracassaram.
Wiles afirmou que, no caso de Letitia James, tratava-se claramente de retaliação. “Ela tinha meio bilhão de dólares dele”, disse, referindo-se à multa posteriormente reduzida em instância superior.
Além de confirmar o viés punitivo da estratégia judicial, Wiles também desmentiu publicamente Trump em relação ao caso Jeffrey Epstein. Segundo ela, o presidente mentiu ao afirmar que o ex-presidente Bill Clinton teria visitado a ilha do financista acusado de crimes sexuais. “Não há nenhuma evidência”, disse. “O presidente estava errado.”
Wiles confirmou que o nome de Trump aparece nos documentos ligados a Epstein, mas negou qualquer envolvimento criminoso. Também criticou duramente a atuação da procuradora-geral Pam Bondi no episódio, afirmando que ela “fracassou completamente” ao lidar com a divulgação dos arquivos, alimentando teorias conspiratórias entre apoiadores do presidente.
As entrevistas também trazem avaliações contundentes sobre figuras centrais do governo. Wiles afirmou que Trump “tem a personalidade de um alcoólatra”, apesar de não beber, e disse que o vice-presidente JD Vance foi “teórico da conspiração por uma década”, aproximando-se de Trump por conveniência eleitoral. Sobre Elon Musk, aliado influente no início do mandato, disse tratar-se de uma figura “estranha” e “nem sempre racional”, relatando incômodo com sua atuação na desmontagem de agências federais, como a Usaid.
A chefe de gabinete reconheceu ainda divergências internas sobre políticas centrais do governo, como tarifas comerciais, deportações e indultos aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2021. Disse ter sido contra o perdão aos manifestantes mais violentos e admitiu falhas no processo de deportação de imigrantes, incluindo a expulsão de mães com filhos após comparecerem voluntariamente a audiências migratórias.
Apesar das críticas, Wiles deixou claro que não vê sua função como um freio ao presidente, mas como alguém encarregada de viabilizar suas decisões. “Se há empate, ele vence”, disse.
As declarações, feitas com conhecimento e anuência do entorno presidencial, causaram forte repercussão em Washington e foram comparadas a episódios históricos de vazamentos internos que expuseram conflitos e excessos dentro da Casa Branca. Diferentemente de governos anteriores, no entanto, o atual optou por cooperar com a publicação.
As entrevistas escancaram um governo em que disputas pessoais, impulsos do presidente e fragilidade institucional se entrelaçam, reforçando preocupações sobre o uso político do sistema de Justiça nos Estados Unidos sob Trump.