Durante o envelhecimento, o cérebro dos homens parece encolher mais rápido do que o das mulheres. Mas se esse processo é mais lento para elas, por que são justamente as mulheres que lideram os diagnósticos de Alzheimer, chegando a quase o dobro em relação aos homens? À primeira vista, parece um paradoxo. Mas respostas começam a surgir a partir de um novo estudo publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) e destacado pela Nature, uma das revistas científicas mais respeitadas que temos atualmente.
“É muito importante entendermos o que acontece no cérebro saudável para que possamos entender melhor o que acontece quando as pessoas desenvolvem essas condições neurodegenerativas”, afirma Fiona Kumfor, neuropsicóloga clínica da Universidade de Sydney, em entrevista à Nature. Segundo ela, o trabalho ajuda a refinar a compreensão dos cientistas sobre o envelhecimento cerebral típico.
Como metodologia, a equipe liderada pela doutoranda Anne Ravndal, da Universidade de Oslo, reuniu uma grande base de dados – talvez uma das maiores até agora sobre esse tema – com 12.638 exames de ressonância magnética de 4.726 pessoas cognitivamente saudáveis, com idades entre 17 e 95 anos. Cada participante fez pelo menos dois exames, com intervalos de até 16 anos. Com essa base, os cientistas conseguiram algo difícil de colocar em prática, que é observar o mesmo cérebro mudando ao longo do tempo e não apenas comparações entre indivíduos de idades distintas.
A partir desses exames, foram avaliados 87 parâmetros cerebrais, como volume global, espessura e área cortical, além de estruturas subcorticais — entre elas o hipocampo e o tálamo, que participam da memória e das emoções. Os pesquisadores também controlaram fatores que afetam o tamanho e o ritmo de envelhecimento do cérebro, como o volume craniano, o nível de escolaridade e a expectativa de vida.
O que eles descobriram
Os resultados mostraram que, em cerca de 20% das medidas, os homens apresentaram encolhimento mais acentuado. Isso foi observado sobretudo na área cinzenta do cérebro, responsável pelo processamento de informações, e em regiões como o córtex parahipocampal (associado à memória) e o córtex pós-central, ligado à percepção corporal e ao tato. Nessas áreas, a redução anual variou entre 0,2% e 0,3% nos homens, contra 0,1% nas mulheres.
Nas idades mais avançadas, o padrão se repetiu. Eles tiveram perdas mais marcantes em estruturas profundas, como o caudado, o putâmen e o núcleo accumbens, regiões que ajudam a regular o movimento e a motivação. As mulheres, por outro lado, mostraram menos redução nessas áreas, mas maior expansão dos ventrículos cerebrais, cavidades internas cheias de líquido, um marcador sutil de envelhecimento estrutural.
Mesmo com essas diferenças, o hipocampo, considerado uma peça central na memória e um dos primeiros alvos do Alzheimer, não apresentou diferenças significativas entre os gêneros.
Então por que as mulheres têm mais Alzheimer?
Se o volume explicasse o risco da doença, seria sensato pensar que as mulheres deveriam exibir maior declínio cerebral, mas não foi o que aconteceu… “Os nossos resultados indicam que o envelhecimento cerebral típico [que naturalmente leva ao encolhimento de regiões cerebrais] não explica a maior prevalência de Alzheimer entre as mulheres”, afirma Ravndal.
Entre as hipóteses levantadas pelos pesquisadores estão fatores hormonais, como a queda de estrogênio após a menopausa, que influencia processos inflamatórios; fatores genéticos, como o papel do gene APOE ε4, que pode afetar homens e mulheres de maneiras diferentes; e fatores sociais, já que mulheres, ao buscarem mais cuidados médicos, não só aumentam a probabilidade de receber o diagnóstico da doença como também tendem a viver mais, o que amplia o risco de desenvolver Alzheimer ao longo da vida.
Vale ressaltar que trabalhos anteriores já haviam investigado o tema, mas com resultados conflitantes. Alguns indicavam maior perda de massa cinzenta em homens, outros, em mulheres. A diferença agora está na força estatística e na abrangência da nova análise, tanto de tempo, quanto nos parâmetros cerebrais investigados. Além disso, os autores realizaram correções detalhadas para eliminar vieses comuns que poderiam interferir nos resultados, como tamanho do crânio, escolaridade e expectativa de vida.
As limitações
Para os pesquisadores, o achado reforça que a biologia do envelhecimento e a origem das doenças neurodegenerativas são muito mais complexas do que uma simples questão de tamanho ou perda de massa cerebral. “Observar apenas as mudanças na atrofia cerebral relacionadas à idade dificilmente explicará as complexidades por trás disso”, diz Kumfor.
Também em entrevista à Nature, a neurologista Amy Brodtmann, da Universidade Monash, em Melbourne, concordou que o trabalho é sólido, mas destaca que novas pesquisas precisam incluir amostras mais diversas, com diferentes níveis de escolaridade, origens étnicas e idades de menopausa.
Os próprios autores reconhecem essa limitação. Eles observaram que, ao ajustar as análises pelo nível de escolaridade, algumas diferenças — como o declínio mais acentuado dos homens em certas regiões, entre elas o córtex pós-central e o giro fusiforme — deixaram de aparecer, sugerindo que fatores sociais e de estilo de vida também pesam na equação.
Carnitina, uma nova camada de investigação
Um estudo brasileiro, publicado em janeiro de 2025 na Molecular Psychiatry, adiciona uma nova perspectiva sobre o risco elevado de Alzheimer em mulheres. Ele mostrou que níveis mais baixos de carnitina – composto produzido pelo corpo a partir dos aminoácidos lisina e metionina, fundamental para o metabolismo energético – podem estar associados a comprometimento cognitivo nesse grupo, sugerindo que fatores metabólicos e epigenéticos podem explicar parte dessa vulnerabilidade.
“Enquanto pesquisas anteriores focaram principalmente na atrofia cerebral ou nas proteínas relacionadas ao Alzheimer, nós mostramos que moléculas pequenas, como a carnitina, podem ter um efeito significativo na saúde cognitiva das mulheres”, disse Mychael Lourenço, líder do estudo, à VEJA. Por meio da regulação epigenética, derivados da carnitina, como a acetil L-carnitina, podem fortalecer sinapses, ajudando a manter a comunicação entre os neurônios.
É importante notar, contudo, que essa é apenas uma hipótese. “A epigenética certamente tem papel no Alzheimer, mas este é um estudo associativo, e ainda é cedo para afirmar que seja uma explicação causal”, observou Diogo Haddad, chefe do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Ainda assim, ele ressaltou a importância do trabalho: muitas doenças neurodegenerativas afetam mais mulheres, mas grande parte das investigações sobre Alzheimer concentra-se nas proteínas, sem considerar outras moléculas envolvidas. “Este estudo é inédito e abre espaço para um novo campo de investigação”, opinou.