Se há um nome no topo da indústria farmacêutica hoje, ele se chama David Ricks. O engenheiro americano é a principal liderança do laboratório Eli Lilly, dono do maior valor de mercado do setor na atualidade – mais de 750 bilhões de dólares.
Recentemente, em passagem pelo Brasil, o CEO global da companhia concedeu entrevista exclusiva a VEJA, que inclusive estampou as Páginas Amarelas.
A seguir, publicamos os trechos inéditos dessa conversa que falam especialmente de planos e medicamentos em desenvolvimento pela farmacêutica. Eles incluem novos usos para o próprio Mounjaro, o famoso remédio para obesidade e diabetes, e outras drogas e tecnologias que miram de tumores a doenças neurodegenerativas.
Estamos vendo uma série de estudos com a tirzepatida, princípio ativo do Mounjaro, para outras condições além da obesidade e do diabetes tipo 2. Quais são as expectativas?
O Mounjaro já se tornou o primeiro medicamento para apneia do sono da história, com aprovação em vários mercados. No final do nosso estudo, metade dos pacientes com essa condição comum e ligada ao excesso de peso não a apresentavam mais. Também publicamos dados de controle sobre um tipo de insuficiência cardíaca e, recentemente, mostramos que, entre as pessoas avaliadas para perda de peso, conseguimos reduzir em 94% a probabilidade de que passassem do pré-diabetes para o diabetes. Esses impactos sobre o diabetes e as doenças cardiovasculares nos animam, porque estamos falando de duas das cinco principais causas de morte no planeta.
Mais algo à vista?
Olha, tem outros usos em potencial que, a meu ver, são ainda mais fascinantes. Ainda este ano vamos concluir uma pesquisa que testa o Mounjaro junto a um medicamento nosso para psoríase e artrite psoríasica. São doenças de pele e articulação de base inflamatória. Esperamos que a combinação gere um efeito anti-inflamatório ainda mais potente, e já temos indícios disso. E ainda temos as doenças cerebrais em mente. Nos nossos estudos, dispomos de relatos espontâneos de pessoas usando tirzepatida que param de beber, de fumar ou de usar drogas ilícitas. Então estamos investigando agora o efeito desses medicamentos sobre os impulsos de prazer. E vamos iniciar estudos voltados a ansiedade e depressão. Depois das doenças crônicas, os transtornos de humor são o segundo maior problema global hoje.
Quando olha para o seu panteão de drogas em desenvolvimento, qual delas mais o empolga?
Bem, no campo da perda de peso, temos duas medicações com propósitos diferentes. Um comprimido de análogo de GLP-1, que permitirá um uso mais massivo, devido à redução nos custos do processo. E outro, representado pela retratutida, que propicia o maior efeito de emagrecimento que já vimos até agora. Provavelmente não precisaremos desenvolver remédios que causem mais perda de peso do que este. A pergunta é: para quem ele irá se destinar? E ainda temos um medicamento poderoso que visa abordar o problema da perda de massa muscular. Ele realmente constrói músculos enquanto se perde peso. Tudo isso nos mostra o que a tecnologia é capaz de fazer.
Vocês acabam de trazer para o Brasil um tratamento inédito para Alzheimer. Em que medida ele deve impactar o controle dessa doença tão difícil?
Sim, é um anticorpo contra o Alzheimer que funciona melhor quanto mais cedo se detecta a doença. E o desafio, portanto, é fazer o diagnóstico precoce. E é um desafio porque as pessoas ainda acham que perda de memória é normal com o envelhecimento, o que não é verdade. Depois, sabemos hoje os fenômenos biológicos ligados à doença. O padrão-ouro para investigar a doença é um exame de PET scam, uma método caro e complicado. Então nós e outras empresas trabalhamos para criar um exame de sangue que, embora não seja tão preciso como o de imagem, é bom e barato.
Ele permitirá rastrear na atenção primária o Alzheimer, mais ou menos como um teste de PSA para o câncer de próstata. Descobrimos antes da doença e podemos agir para preveni-la. Quanto mais cedo intervirmos, melhor os pacientes se sairão. E agora estamos fazendo um grande experimento que envolve esse exame para encontrar pessoas com o marcador positivo, mas sem sintomas cognitivos, e a ideia é usar nosso medicamento para tentar prevenir o Alzheimer desde o início.
Alguma outra ideia para salvar o cérebro dessas doenças em ascensão?
Temos avaliado remédios com ideias semelhantes para Parkinson, esclerose lateral amiotrófica (ELA) e demência frontotemporal, que envolvem outros tipos de alteração e depósito de proteínas no cérebro. E também já começamos a testar algumas terapias genéticas, como a que chamamos de RNA de interferência, que vão até o cérebro para bloquear as proteínas nocivas.
Vocês também estão envolvidos na batalha pela cura do câncer. Qual é a grande iniciativa nessa área?
Estamos desenvolvendo tecnologias capazes de direcionar o medicamento apenas para as células doentes, uma espécie de bomba inteligente. Você leva a droga ou a radiação anexa apenas para matar o tumor. A ideia é ter medicamentos altamente eficazes com muito menos efeitos colaterais. Na verdade, já estamos atuando com essas abordagens mais direcionadas. Hoje o produto líder de vendas da Lilly tem esse tipo de atuação no câncer de mama, e temos outro tratamento, um bloqueador hormonal seletivo, chegando em breve.
Que sonho espera ver encaminhado ou concluído nessa sua trajetória?
Acredito que, em alguns anos, teremos a capacidade e a tecnologia para erradicar a obesidade globalmente. Assim como no passado produzimos vacinas para conter e eliminar doenças infecciosas, acho que será possível eliminar de fato certas doenças crônicas. Uma das chaves para isso é controlar o excesso de peso. E a Lilly tem o poder de fazer isso.