Ainda são visíveis no país os efeitos nocivos da polarização que tem assolado nossa política nos últimos anos. A formação de consensos entre os polos rivais parece impossível mesmo em questões meramente técnicas. Se a esquerda concorda com um determinado projeto, automaticamente é rebatida de forma feroz pela direita — e vice-versa. As posições de ambos os lados costumam ser amplificadas pela cacofonia reinante nas redes sociais. Nesse tipo de ambiente, o bom senso e a abertura para o diálogo praticamente inexistem. Fica no ar a sensação de desalento para os que anseiam por ideias, atitudes equilibradas e propostas melhores para os grandes problemas nacionais. Na maior parte das vezes, esse grupo fica sem voz diante da balbúrdia geral. A estridência dos radicais dá o tom da “conversa” e cria a percepção angustiante de que o Brasil virou refém para sempre do clima de conflito.

Aos poucos, no entanto, vários sinais começam a indicar que a multidão silenciosa é maior do que se imaginava, fenômeno analisado em reportagem desta edição. Uma pesquisa divulgada recentemente pelo think tank More in Common em parceria com a Quaest mostra o tamanho do contingente de “isentões”, como muitas vezes são estigmatizados os brasileiros que fogem das posições mais dogmáticas. Segundo o levantamento, que entrevistou mais de 10 000 pessoas, 54% delas não se identificam com o comportamento dos extremos políticos, tampouco com as bandeiras que carregam.
Para essa parte da população, temas como agenda de costumes, anistia ao 8 de Janeiro, tarifaço e linguagem neutra nas escolas, entre outros, embora tenham o grau de importância reconhecido, não ocupam necessariamente o centro de suas preocupações. É uma turma mais pragmática, atenta a quem trabalha para oferecer soluções ou elabora propostas factíveis para a resolução dos dramas do cotidiano. O Brasil que realmente preocupa e interessa à maioria dos brasileiros é o país que não progride economicamente no ritmo necessário. É também a pátria das últimas posições nos rankings internacionais de educação, a das filas intermináveis na saúde. Na segurança pública, é o território em que o crime organizado ocupa cada vez mais espaço.

Não por acaso, levantamentos realizados depois da megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio, mostraram apoio majoritário à polícia, ao mesmo tempo que os entrevistados reconhecem que falta muito para chegar a uma vitória contra as facções. Para os brasileiros longe dos extremos, situações complexas como essa precisam de abordagens racionais, sem a contaminação das cegas paixões à esquerda e à direita. Enquanto maioria da população, esse contingente fora dos polos radicais tende a ganhar mais atenção dos políticos. Pode ser o início do fim da era da polarização.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970