Entre os principais suspeitos da pergunta “quem matou Odete Roitman?”, uma personagem de Vale Tudo respira aliviada fora da lista: trata-se de Leila, a assassina na versão da novela de 1988, que, garantiu a autora Manuela Dias, não será a culpada dessa vez — exceto se ela mudar de ideia, claro. Interpretada por Carolina Dieckmmann no remake, a personagem cresceu ao longo do folhetim sendo um dos bons destaques da trama. O trunfo vai, especialmente, para a atriz. Aos 47 anos de idade, Carolina é uma veterana da TV e do cinema brasileiro que transita bem por papéis variados. Prolífica, mal acabou de se despedir da novela e já entrou de cabeça na divulgação de dois filmes lançados esta semana no Festival do Rio.
O primeiro é (Des)controle, dramédia sobre uma escritora e mãe que luta contra o alcoolismo, dirigido por Rosane Svartman e Carol Minêm, com roteiro de Iafa Britz e Felipe Sholl. O outro é Pequenas Criaturas, da diretora e roteirista Anne Pinheiro Guimarães, drama ambientado em Brasília nos anos 1980, sobre uma mãe em crise com suas escolhas de vida. A VEJA, Carolina falou sobre os dois projetos, a novela e o drama real de sua mãe com o vício em álcool.
Como foi sua preparação para interpretar uma personagem alcoolista? Esse projeto foi feito a oito mãos, trabalhei muito de perto com as diretoras e a Iafa, roteirista e produtora do projeto. Ela trouxe muito da experiência pessoal dela e eu, do que vi minha mãe passar. Juntas, vimos vários filmes sobre o tema, montando um combo de referências. Ainda se fala pouco no cinema sobre o alcoolismo.
Pode contar um pouco dessa experiência pessoal com sua mãe? Claro. Quando eu tinha uns 10, 12 anos, minha casa pegou fogo e, depois, meus pais se separaram — foi um momento conturbado. Minha mãe começou a beber e a sensação que a gente tinha era de que ela estava se anestesiando. Ela passou uns dez anos bebendo bastante, tentando dar conta da vida, mas era difícil. Depois veio uma virada muito bonita. Ela conseguiu se livrar totalmente do álcool — a gente sabe que o alcoolismo não tem cura, mas tem controle — e foi inspirador vê-la retomar as rédeas da própria vida. Então eu trago esse DNA: vi alguém muito triste, na mão do álcool, mas também vi essa mulher sobreviver de forma linda.
Quando começou Vale Tudo, a atriz Paolla Oliveira falou que tinha o objetivo de não transformar as cenas da Heleninha em algo cômico, como aconteceu com a primeira versão da novela. Você também teve algum cuidado específico sobre essa postura? Acho que, hoje, o olhar mudou muito. Em 1988, por exemplo, quando Vale Tudo foi ao ar, o país ainda não falava de alcoolismo como doença. Hoje a gente evoluiu — entende o que é, fala com mais responsabilidade. Antes, víamos personagens como o Canabrava, do Tom Cavalcante, tratados de forma cômica. Hoje, mesmo quando algo aparece em tom de humor, há um cuidado maior. É bom que seja assim. É uma evolução no respeito — não só sobre o alcoolismo, mas sobre muitos assuntos.
Você tem dois filmes no Festival do Rio deste ano. Como está esse ritmo de trabalho, sendo que Vale Tudo acabou de encerrar as gravações? Pois é, caiu um em seguida do outro — uma loucura. Está sendo tudo muito intenso. Eu acabei uma novela que foi muito especial, que veio como comemoração dos 60 anos da Globo, e agora chegam dois filmes, com processos muito diferentes, mas igualmente enriquecedores. É uma emoção ver tudo acontecendo junto.
Como compara estes dois filmes? As personagens são muito opostas. A Kátia, de (Des)controle, está explodindo, transbordando. A Helena, de Pequenas Criaturas, está implodindo, guardando tudo dentro de si, porque não dá conta. São duas mulheres em momentos de descontrole, mas expressando de formas contrárias — uma para fora, outra para dentro. Foi um contraste até de voz, de corpo. Acho interessante poder ser vista em dois registros tão diferentes, e tão próximos um do outro.
E você, é uma pessoa mais para fora ou mais para dentro? Eu sou mais para dentro. Às vezes é complicado. Mas colocar para fora nem sempre acho que é o melhor. Muitas vezes a gente extravasa por desespero, não por elaboração. No caso da Kátia, é bem isso: o fato de colocar para fora não significa que você está processando — às vezes, você está só vomitando.