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Caramelo: o auxílio do amor e do faro canino para a saúde

O câncer não chega à vida de alguém tendo sido convidado. Assim como seres especiais nem sempre cruzam o nosso caminho com um aviso prévio. Foi assim que um intrometido glioma e um afetuoso e travesso cachorro se tornaram os principais elementos da história de Pedro, personagem estrelado por Rafael Vitti no filme Caramelo, da Netflix.

As estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) indicam que mais de 11 mil brasileiros devem ser diagnosticados este ano com tumores do sistema nervoso central (SNC). No mundo, o Observatório Global do Câncer do IARC/OMS projeta cerca de 321 mil novos casos anuais. Os gliomas, que se originam nas células gliais do cérebro e da medula espinhal, correspondem a cerca de 80% dos tumores cerebrais malignos primários. Embora representem apenas de 2% a 3% de todos os cânceres, esses tumores estão entre os mais complexos de tratar, devido à localização em áreas nobres e à dificuldade de diagnóstico precoce.

Porém, não estou aqui para falarmos de números, mas sim (com direito a spoilers), de Pedro, o jovem cozinheiro que finalmente conquista o cargo de chef no restaurante onde trabalha e que vê sua ascensão ser interrompida pela descoberta de um glioma. O cão que dá nome ao filme surge com a mesma naturalidade com que, muitas vezes, aparecem os primeiros sinais da doença. Tão inesperado quanto. É o próprio Caramelo quem, ao lamber repetidas vezes a cabeça de seu tutor, desperta a atenção de outra personagem e o leva a procurar um médico.

Embora cães não sejam capazes de diagnosticar câncer, estudos mostram que o olfato canino é até cem mil vezes mais sensível que o humano e que eles conseguem identificar compostos voláteis liberados por alterações metabólicas, razão pela qual são usados, por exemplo, em forças policiais e operações de busca. No filme, esse faro aguçado simboliza o instinto de cuidado e o alerta precoce, reforçado pelos sintomas clínicos de dor de cabeça, tontura e desmaio vivenciados pelo protagonista, que devem sempre motivar a procura por um especialista.

O roteiro é sensível ao retratar o adoecimento sem sensacionalismo. Pedro sente dores de cabeça intensas e se automedica, como tantos brasileiros, até que o diagnóstico o coloca diante de uma jornada desafiadora. O filme acerta ao mostrar, de forma realista, o momento em que o personagem passa pela radioterapia, deitado no acelerador linear e usando uma máscara termoplástica para manter o rosto imóvel enquanto a radiação é direcionada com precisão ao tumor.

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Nos gliomas, a radioterapia é uma das principais modalidades terapêuticas. Em casos operáveis, costuma ser realizada após a cirurgia, para reduzir o risco de crescimento do tumor. Quando a cirurgia não é possível por fatores como localização profunda ou risco funcional elevado, torna-se o tratamento principal, isolado ou combinado à quimioterapia. Cada sessão dura, em média, 15 minutos e se repete de cinco a seis semanas. O objetivo é controlar o crescimento do tumor, aliviar sintomas e preservar as áreas cerebrais saudáveis.

Atualmente, técnicas modernas como a radioterapia de intensidade modulada (IMRT) e a radiocirurgia estereotáxica permitem concentrar doses altas de radiação no tumor, poupando estruturas cerebrais vizinhas e reduzindo os efeitos tardios. Esse avanço tecnológico tem mudado o prognóstico de pacientes com gliomas e outros tumores cerebrais, embora o acesso a esses recursos ainda seja desigual no país.

A produção também aborda outras facetas da oncologia. Um personagem secundário com câncer de testículo reforça a importância da atenção a sintomas em jovens adultos, já que esse tipo de tumor é mais comum entre os 20 e 35 anos e tem altas taxas de cura quando diagnosticado precocemente. Já a perda de paladar de Pedro após a quimioterapia, para um chef de cozinha, traduz com realismo o impacto físico e emocional dos potenciais efeitos adversos do tratamento.

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O filme Caramelo convida o espectador a compreender a doença sob uma ótica humana. A radioterapia, mostrada de forma discreta, cumpre seu papel de educar o público sobre uma etapa essencial do tratamento, baseada em ciência, precisão e cuidado. O faro do cão, por sua vez, representa algo que a medicina também busca que é a sensibilidade para perceber o que não é visível.

Em última análise, Caramelo é sobre escuta, acolhimento e consciência. Ao transformar um sintoma em narrativa e um animal em alerta, o filme aproxima o público da realidade dos tumores cerebrais e reforça que, diante de sinais persistentes, o instinto mais saudável é procurar ajuda médica.

*Erick Franz Rauber é radio-oncologista, diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e titular do Grupo Oncoclínicas-RJ

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