Apesar de o trajeto para uma vida saudável ser conhecido, desvios de percurso podem acontecer. Assim podemos resumir, de forma simplória, o combate ao câncer de cabeça e pescoço. Embora essa falha de rota não seja restrita ao Brasil, podemos, por aqui, traçar uma estratégia de conscientização sobre prevenção e diagnóstico precoce que venha a ser um espelho para o mundo. Uma vez cientes dos fatores de risco, escolhas conscientes devem ser feitas para se evitar a doença. Elas consistem em não fumar nenhum derivado do tabaco (incluindo cigarro eletrônico e narguilé), evitar bebidas alcoólicas em excesso, vacinar-se contra o HPV, manter a higiene bucal em dia e estar atento aos sinais e sintomas.
O grupo de doenças denominado como câncer de cabeça e pescoço compreende tumores malignos que acometem a cavidade oral (boca, lábios, língua, gengiva, assoalho da boca e palato), seios da face (maxilares, frontais, etmoidais e esfenoidais), faringe (nasofaringe (atrás da cavidade nasal), orofaringe (onde se encontra a amígdala e a base da língua) e hipofaringe (porção final da faringe, junto ao início do esôfago), além da laringe (supraglote, glote e subglote), glândulas salivares e glândula tireoide.
Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) mostram que, nos homens, o mais comum é o de cavidade oral (quinto entre todos os tipos de câncer) com 10.900 casos previstos para 2025 entre eles, de um total de 15.100 casos. Nas mulheres, o tipo de tumor maligno mais comum de cabeça e pescoço é o de tireoide, com 14.160 casos entre elas (de um total de 16.600). Na sequência, o câncer de laringe, com 7.790 casos estimados para 2025, sendo 6,570 em homens.
Ao contrário de outros tipos de câncer, os tumores na região de cabeça e pescoço são visíveis. Os sinais podem ser desde uma ferida na boca que não cicatriza, nódulo no pescoço com crescimento persistente, piora da rouquidão até dificuldade para se alimentar. Em casos mais avançados, pode-se notar dificuldade para movimentar a língua e dores mais frequentes na região do pescoço que irradiam para o ouvido.
A oportunidade para agir diante das causas e dos sinais e sintomas destes cânceres não é refletida nos números. Aproximadamente oito entre dez pacientes, por exemplo, recebem o diagnóstico de câncer na cavidade oral em fase avançada. Portanto, o diagnóstico precoce ocorre em apenas 20% dos casos, quando as taxas de cura são maiores. Apesar dos avanços no tratamento, o diagnóstico tardio resulta em menor chance de controle da doença, maior impacto em qualidade de vida para o paciente, necessidade de cirurgias mais extensas, maior complexidade de outras modalidades de tratamento e maior demanda por reconstrução facial, assim como mais desafios na reabilitação do paciente.
Antes, durante e após o tratamento, a atuação multidisciplinar é essencial. Entre as demandas possíveis estão a atuação conjunta da Nutrição e Fonoaudiologia, por exemplo, em quadros de disfagia (dificuldade de engolir), da Fonoaudiologia e Otorrinolaringologia em pacientes que passaram por laringectomia (retirada parcial ou completa da laringe); assim como as áreas de Fisioterapia, Estomatologia (especialidade da Odontologia), Psicologia, Psiquiatria e Enfermagem.
Caso todo o conhecimento aqui compartilhado não resulte em ações efetivas, a projeção é que o número total de mortes no Brasil venha a saltar de 14 mil para 26 mil em 2050, representando um aumento de 84%, maior do que previsão mundial de 81,6% conforme dados da base Cancer Tomorrow da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS. No mesmo período, estima-se que o número total de casos pode aumentar de em 78%.
A união de vozes de vozes de entidades médicas e de especialidades envolvidas no cuidado ao paciente – exercida especialmente no Julho Verde, mês de conscientização sobre a doença – é fundamental para que este cenário epidemiológico projetado não seja a realidade do futuro. As mensagens sobre prevenção e diagnóstico precoce precisam chegar à população, assim como ser assimilada e aplicada por médicos, dentistas e demais profissionais da saúde, facilitando o diagnóstico precoce e acesso ao tratamento.
Um exemplo é a campanha “Cultive prevenção, colha vida”. Ela parte da premissa de que, assim como uma planta precisa de um bom solo, cultivo e técnicas adequadas, a nossa saúde precisa de escolhas conscientes. Essa metáfora é o fio condutor para inspirar a sociedade a enxergar a importância dos hábitos saudáveis, do diagnóstico precoce, do acesso ao tratamento e reabilitação e do autocuidado.
*Milena Perez Mak é médica oncologista clínica da Oncologia D´Or e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e presidente do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP). Gilson Gabriel Viana Veloso é médico oncologista clínico da Oncoclínicas Belo Horizonte e diretor de Comunicação e Marketing do GBCP