A evolução da radioterapia nas últimas décadas é uma das maiores conquistas da oncologia moderna. Entre as inovações, a técnica de intensidade modulada, conhecida como IMRT, se consolidou como um padrão internacional de tratamento. Essa tecnologia permite que a radiação seja moldada com precisão ao formato do tumor, reduzindo drasticamente a exposição de órgãos e tecidos saudáveis. Assim, conseguimos ampliar as chances de controle da doença e preservar a qualidade de vida dos pacientes.
No Brasil, a incorporação da IMRT se deu de maneira gradual, acompanhando tanto a maturidade científica quanto a mobilização das sociedades médicas e dos pacientes. O primeiro grupo de tumores contemplados pela cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi o de cabeça e pescoço em 2014. A decisão refletiu a necessidade de proteger estruturas críticas localizadas próximas ao tumor, como glândulas salivares, medula espinhal e boca. Com a IMRT, o paciente passou a ter menos risco de desenvolver complicações permanentes, como boca seca severa ou dificuldade para engolir, condições que comprometem de forma significativa a alimentação, a fala e a vida social.
Em 2023, a tecnologia foi incluída para o tratamento de tumores no tórax (pulmão, esôfago e mediastino). Nesse caso, os ganhos clínicos são igualmente relevantes. Os órgãos próximos, como coração, pulmões e medula espinhal, são extremamente sensíveis à radiação. A IMRT permite irradiar o tumor com alta dose sem comprometer essas estruturas, o que se traduz em menos sequelas cardíacas, menor risco de complicações respiratórias e melhor tolerância ao tratamento.
No ano seguinte, em 2024, a ANS estendeu a cobertura da técnica para o câncer de próstata. Trata-se de um dos tumores mais incidentes entre os homens e, portanto, de grande impacto na saúde pública. Com a IMRT é possível administrar doses mais elevadas diretamente na próstata, reduzindo a toxicidade em órgãos adjacentes, como reto e bexiga. O resultado é uma maior taxa de controle da doença, com menor risco de incontinência urinária ou disfunção erétil.
Mais recentemente, em agosto de 2025, a técnica foi incluída no rol da ANS para o câncer de canal anal. Embora menos prevalente, este tumor apresenta desafios particulares por estar localizado em uma região extremamente sensível, próxima a estruturas como reto, intestino, genitais e bexiga. A IMRT é determinante para oferecer eficácia no tratamento e reduzir complicações como diarreia crônica, incontinência fecal ou dor intensa.
Essa linha do tempo de inclusões no rol de procedimentos obrigatórios da ANS é reflexo da capacidade da comunidade médica brasileira de reunir evidências, mobilizar a sociedade civil e influenciar políticas públicas de saúde suplementar. A cada inclusão, aumentamos o número de pacientes que têm acesso a um tratamento de maior qualidade, alinhado ao que já é praticado em países como Canadá e Reino Unido, onde mais da metade dos casos de câncer são tratados com IMRT.
Entretanto, há um desafio que precisa ser enfrentado com urgência, que é o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Embora a IMRT esteja disponível em serviços privados e já seja realizada em cerca de 70% das clínicas, sua utilização ainda é restrita no SUS.
Superar esse descompasso exige investimento em infraestrutura, treinamento de equipes multiprofissionais e atualização constante dos protocolos de incorporação tecnológica do SUS. É preciso reconhecer que a IMRT, além de custo-efetiva, representa uma forma de reduzir complicações de longo prazo, o que também alivia os custos do sistema com internações e tratamentos adicionais.
O governo tem investido na ampliação de equipamentos e na melhoria da infraestrutura para reduzir os chamados “vazios assistenciais”, o que é inegavelmente necessário. No entanto, mesmo para procedimentos radioterápicos básicos, a sustentabilidade financeira continua sendo um entrave significativo, inviabilizando a adoção rotineira da tecnologia IMRT, a radioterapia de intensidade modulada.
Precisamos garantir que a incorporação da IMRT chegue também ao SUS, de forma ampla e planejada. Assim poderemos oferecer a todos os pacientes, independentemente da condição socioeconômica, a oportunidade de receber radioterapia em tempo e com a tecnologia mais adequada para cada caso.
* Robson Ferrigno é coordenador médico dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP Paulista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)