Para muita gente, o dia só começa depois do primeiro gole de café. O objetivo? Dar aquela acordada para enfrentar as tarefas do dia. Só que as pesquisas vêm mostrando que essa bebida vai muito além de um estímulo imediato e pode oferecer benefícios significativos à saúde, inclusive influenciando o envelhecimento.
Apesar da atenção crescente em torno desses possíveis efeitos, o café não é o único protagonista. A velha e boa água (sobretudo ela), e até o chá, também entram na lista de bebidas que parecem favorecer uma vida mais longa e saudável.
Nos últimos anos, diversos estudos tentaram entender essa relação. Alguns investigam o impacto no nível celular, outros olham para o funcionamento do organismo como um todo e há aqueles que analisam o efeito combinado dessas bebidas no dia a dia.
Quando o café mexe com o envelhecimento celular
Para avaliar essa questão, um estudo publicado no BMJ Mental Health, em novembro deste ano, analisou 436 pessoas com transtornos mentais graves, como esquizofrenia, e transtornos afetivos, como a bipolaridade. De acordo com pesquisas anteriores, esse grupo costuma apresentar envelhecimento biológico acelerado por causa de alterações nos telômeros, estruturas localizadas nas pontas dos cromossomos que funcionam como “protetores” do DNA. O encurtamento dos telômeros é natural, mas algumas condições, como psicose e esquizofrenia, aceleram o processo.
O trabalho observou que quem consumia café tinha telômeros mais longos, o equivalente a cerca de cinco anos de “idade biológica preservada” em comparação com quem não bebia.
Os resultados mostraram o seguinte:
- Pessoas que não tomavam café tinham telômeros mais curtos
- Entre 3 e 4 xícaras por dia, os telômeros eram mais longos
- A partir de 5 xícaras, o benefício desaparecia
Embora seja um estudo observacional, o que impede afirmar causa e efeito, os autores sugerem algumas explicações possíveis. Entre elas, o papel antioxidante do café, especialmente do ácido clorogênico, a redução de inflamação e uma possível influência na atividade da telomerase, enzima que ajuda a manter os telômeros intactos.
Nem todo café é igual
Enquanto um grupo investigava o impacto do café no DNA, outro, conduzido pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), buscou responder a uma pergunta prática: qual preparo do café oferece maior potencial antioxidante?
A nutricionista Camila Crivelli, sob orientação da professora Elizabeth Torres, analisou oito preparações comuns: café com cafeína e descafeinado, cada um nas versões puro, com açúcar, com leite e com leite e açúcar. Todas as amostras foram feitas com o famoso coador de papel.
“Para grande parte da população, a bebida acaba sendo a principal fonte de substâncias antioxidantes, como a cafeína, o ácido cafeico, o ácido ferúlico e os ácidos clorogênicos. Esses compostos aparecem em quantidades importantes no café, mas o teor pode variar dependendo da forma de preparo”, diz Crivelli.
Os achados foram os seguintes:
- O campeão de antioxidantes foi o café puro com cafeína
- O descafeinado também tem valor, mas menor (o que mostra que não é só a cafeína que atua como antioxidante)
- O leite foi o “vilão” da história, reduzindo bem a atividade antioxidante, possivelmente porque suas proteínas se ligam aos compostos fenólicos do café, atrapalhando a absorção
- O açúcar reduziu menos o efeito, e em alguns casos manteve níveis relativamente altos, graças às reações químicas do aquecimento que formam novas moléculas antioxidantes
A pesquisa também conversa com estudos anteriores do grupo, que mostraram que:
- Cápsulas podem liberar mais antioxidantes que o café filtrado, embora também tragam diterpenos (metabólitos que podem impactar o colesterol, ainda sem evidências conclusivas desse efeito em humanos)
- A torra média preserva mais compostos benéficos do que a torra muito escura
- O solo importa: grãos plantados em solos ricos tendem a render cafés mais potentes
“Na prática, os antioxidantes reduzem inflamações, melhoram o metabolismo, desaceleram o envelhecimento e, junto com bons hábitos de vida, ajudam a diminuir o risco de doenças crônicas, como as cardiovasculares e o diabetes”, explica Crivelli.
O trio café, água e chá
O café, porém, não reina sozinho. Um estudo publicado no British Journal of Nutrition analisou dados de mais de 182 mil adultos e concluiu que a redução de risco de morte, especialmente por doenças cardiovasculares, não vem do consumo isolado de água, café ou chá, mas do equilíbrio entre as três bebidas.
A ideia de que manter o corpo hidratado é importante é quase óbvia, mas poucos trabalhos tinham investigado isso de forma direta. Quando o corpo perde mais água do que recebe, quase tudo sai prejudicado, do transporte de nutrientes à regulação da temperatura e ao funcionamento dos rins, pulmões e coração. Nessa lógica, café e chá aparecem como aliados adicionais, não por substituírem a água, mas por fornecerem compostos com efeitos que vão além da hidratação.
A água, inclusive, deve ser sempre a protagonista e o ideal é não esperar a sede chegar para beber. A recomendação vale especialmente para idosos, que têm um mecanismo de sede menos eficiente.
Quando se trata do café, grande parte dos benefícios vem da cafeína e de polifenóis, como o ácido clorogênico, que têm ação antioxidante e anti-inflamatória, protegem o endotélio (a camada que reveste os vasos sanguíneos) e participam da modulação dos níveis de glicose no sangue. Por isso, há uma forte associação entre consumo regular e menor risco de diabetes tipo 2.
Já os chás, especialmente os produzidos a partir da planta Camellia sinensis, como o verde, o preto e o branco, também fornecem cafeína e compostos fenólicos. Entre eles, destaca-se a epigalocatequina galato (EGCG), antioxidante amplamente estudado por seus efeitos cardioprotetores e anti-inflamatórios.
Em resumo, o caminho para “envelhecer melhor”, segundo as pesquisas, pode incluir um bom café, um chá no meio da tarde e muita água ao longo do dia, mesmo sem sede. Apesar disso, vale lembrar que o excesso, especialmente de café, pode trazer efeitos indesejados.
Para os cafés coados, o ideal é ingerir até três xícaras por dia. “E não ‘xicrinhas’, mas xícaras comuns, de cerca de 200 a 220 ml”, explicou o cardiologista Luiz Antonio Machado César, diretor da Unidade de Coronariopatia Crônica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da (FMUSP) em entrevista à Veja Saúde. Geralmente, isso corresponde a seis ou sete colheres de sopa de pó para um litro de água. E, no caso dos expressos, o equivalente seria não mais que cinco ou seis copinhos por dia.
Vale lembrar que nenhum benefício depende de uma única bebida ou fórmula. Os resultados aparecem quando o consumo se soma a um estilo de vida saudável, com atividade física regular, sono de qualidade, alimentação equilibrada, bom manejo do estresse, entre outros.