Uma expressão comum da nossa língua diz que, quando alguém é bom, vale seu peso em ouro. No Japão medieval, era o arroz que dava a medida do valor de alguém. Ele era a moeda para o pagamento dos samurais. A remuneração se baseava numa unidade chamada “koku”, a quantidade necessária do grão para alimentar uma pessoa por um ano – algo em torno de 150 quilos. Quanto mais arroz um guerreiro recebia, maior seu status.
Já no Japão atual, de onde aliás escrevo este texto, um saco de 60 kg de arroz está custando o equivalente a mil reais – decorrência de uma safra ruim em 2023 e de percalços atuais da economia japonesa. Algumas lojas, diante da escassez, chegam a colocar cartazes sugerindo que os consumidores levem macarrão ou pão no lugar do grão. Não é uma troca fácil de imaginar em um país onde o arroz é base para a alimentação.
Não só os japoneses veem o arroz como o mais primordial dos alimentos. Em todo lugar, ele representa fartura, e não é à toa que, em vários países, é jogado sobre os noivos ao final do casamento como desejo de prosperidade. Na Índia, numa variante desse ato, é a noiva que lança punhados do grão ao sair da casa dos pais, expressando gratidão e o anseio de que nada falte no lar que deixa para trás.
Na China, onde o cereal se desenvolveu há cerca de 9.000 anos, ainda hoje se repete que nem mesmo um grão de arroz deve ser desperdiçado. Em mosteiros budistas, depois de consumirem o arroz, bebe-se a água com que se enxaguou a tigela. O grão chinês se espalhou para o Sudeste Asiático e, com a invasão moura na Índia, chegou à Península Ibérica, de onde fez sua travessia transatlântica.
Os conquistadores espanhóis o levaram a seus domínios. E os portugueses, para o Brasil. Já nos Estados Unidos, os responsáveis não foram os senhores, mas os escravos, que começaram a cultivá-lo com técnicas levadas da África, onde uma variedade do grão tinha se desenvolvido em paralelo à asiática.
O cereal se tornou tão básico que, em quase todos os lugares, é plantado para alimentar a população local – só 10% da produção total é comercializada globalmente. Assim, está na base de muitos pratos nacionais que se tornaram conhecidos mundo afora.
No Portugal dos meus pais, é servido com pato ou alheira; na Itália, em inúmeras variações de risoto – que adoro preparado sem manteiga, aproveitando a cremosidade natural do amido. E, claro, está no centro da mesa brasileira, ao lado do feijão (ou em cima, ou embaixo – uma discussão interminável).
Por ser tão essencial, o arroz já mitigou crises e também causou algumas, como a que agora enfrentam os japoneses.
Hoje, o cultivo enfrenta novos desafios. Plantar arroz exige muita água; a técnica inundada, mais comum, afeta o aquecimento global e é afetada por ele. Outras regiões da Ásia também sofrem perdas de produtividade e picos de preços.
Mas avanços de biotecnologia vêm mudando esse cenário. No Brasil, a Embrapa desenvolveu modalidades de arroz resistentes à seca, ao calor e a doenças, além de métodos de irrigação mais eficientes e sistemas que reduzem o impacto ambiental. A busca por manter esse ouro branco nas mesas de todos mostra que o arroz pode significar não só tradição, mas também inovação.