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Bruninho abre o coração em biografia: ‘Precisei provar meu valor’

Em 2007, Bruno Mossa de Rezende realizou o sonho de todo atleta: vestiu a camisa da seleção brasileira e foi representar o país em quadra. Filho do técnico Bernardinho, Bruninho, como ficou conhecido pela torcida, foi convocado para o Pan Americano do Rio no lugar de Ricardinho, e ouviu vaias em pleno Maracanãzinho. “Acho que aquilo não era contra mim, mas uma vontade da torcida de ver o Ricardinho — que eu também teria como torcedor”, explica o jogador a VEJA. Quase uma década depois, em 2016, a seleção masculina de vôlei se sagraria campeã olímpica na mesma arena, com Bruninho como levantador — agora sem questionamentos e sob uma salva numerosa de palmas. De peito aberto, o atleta relembra esses momentos e muitos outros na biografia Entre Sombras e Vitórias, prestes a ser lançada no Brasil pela Sextante, no dia 5 de agosto.

Com uma carreira longeva no vôlei, Bruno é fruto do relacionamento de dois gigantes do esporte: Bernardinho e Vera Mossa. Com a bola correndo nas veias, ele provou que o espaço na seleção era merecido, mas precisou aprender a lidar com a figura do pai e do técnico encarnadas na mesma pessoa, e com as pressões e cobranças que acompanharam essa relação. Perfeccionista, ele também viu a saúde mental ser minada pelas derrotas: depois de perder para a Rússia na final dos jogos olímpicos de Londres, em 2012 — quando a seleção ficou há um ponto do ouro por duas vezes, mas viu a medalha escapar — ele perdeu o prazer no esporte e foi buscar ajuda para se reencontrar. Recuperado, Bruno conquistou tudo com a seleção, e virou referência para a nova geração. Hoje aos 39 anos, ele se aposentou do time nacional, mas segue jogando no Campinas. Em entrevista a VEJA, o atleta falou sobre a relação com o pai, o cuidado com a mente e os planos para o futuro. Confira a conversa:

Você tem mais de 20 anos aí né de carreira no vôlei e agora está lançando sua biografia no Brasil. Como é que foi para você todo esse, esse processo de colocar a sua trajetória nas páginas? Foi um processo de convencimento. Meus amigos italianos, os outros dois autores, que tiveram a ideia de fazer essa biografia comigo. Eu não queria fazer isso enquanto estivesse jogando, mas eles me convenceram. Minha ideia nunca foi mostrar só as vitórias e os louros da minha carreira, mas tudo aquilo que veio junto com isso: os momentos difíceis, as frustrações, o trabalho com a saúde mental. Tudo isso me incentivou a escrever esse livro. Tentei me abrir ao máximo para que fosse um livro verdadeiro que pudesse tocar as pessoas.

Você fala no livro sobre o peso de surgir no esporte como filho do Bernardinho, que era o técnico da seleção, e relembra as vaias que recebeu no Pan-Americano do Rio, quando foi convocado no lugar de Ricardinho. Como foi lidar com isso? Cada um de nós tem obstáculos e desafios a serem superados na vida. O meu talvez tenha sido carregar sobrenomes muito fortes. Não só do meu pai, mas também da minha mãe, Vera Mossa. Os dois foram referências no voleibol brasileiro. Com o meu pai como treinador da seleção, sempre precisei provar algo a  mais. Isso foi um peso e uma responsabilidade, mas também me fez crescer mais cedo. Precisei mostrar o meu valor e provar que merecia o espaço, e o caminho era matar um leão por dia. Minha vida foi feita desse tipo de provação, mas faz parte. As vaias aconteceram, mas eu entendi as pessoas e, de alguma maneira, isso virou combustível para eu querer provar que merecia estar ali.

Você sentiu essa pressão dentro da seleção em algum momento? Não, era algo muito mais externo. Eu tive os meus momentos ali dentro de dúvidas, mas era uma coisa comigo mesmo, as minhas inseguranças, medos e ansiedade. Sempre tive muito apoio dentro da seleção. As pessoas entendiam o quanto eu batalhava, o quanto eu treinava, não só ali mas também nos clubes em que joguei. Eu estava buscando meu espaço e sempre tive ajuda dos meus companheiros.

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Você citou a ansiedade, e descreve no livro que a derrota para a Rússia na final das Olimpíadas de Londres, em 2012, mexeu muito com o se psicológico. Como foi o seu processo de recuperação mental? É horrível estar tão perto de conquistar o seu maior sonho e perder, como foi em Londres. Foi como se eu tivesse perdido o chão ali. Depois disso, foram meses em que eu perdi o prazer de jogar vôlei. Nesse período, algumas pessoas me mostraram que eu precisava de ajuda, e eu fui atrás disso. Comecei com o Orlando Crane, que é um um mestre nessa parte de yoga, de respiração. Depois, senti que precisava de uma ajuda mais profunda e comecei a trabalhar com o Juliano na parte da saúde mental. Essa foi a minha virada de chave na vida e na carreira. Demorou alguns meses para eu entender como sair daquele buraco em que eu estava, mas com a ajuda desses profissionais eu fui me reencontrando e as coisas voltaram a fazer sentido.

No vôlei se fala muito desse “apagão” em momentos decisivos e do peso que o psicológico tem em quadra. O que se passa pela cabeça de um atleta nesses momentos? Acho que não é só no vôlei não, isso acontece em vários esportes. Quando você está preocupado com a ação que passou, ansioso e fora de foco, a sua confiança acaba sendo minada. O esporte tem uma carga de adrenalina e de performance que é diferente. Ali, cada ponto conta, então a responsabilidade é grande, ainda mais quando você está representando o seu país. São momentos em que você precisa saber lidar com as emoções. Hoje se fala muito da importância da saúde mental no esporte, mas naquela época isso ainda era uma espécie de tabu.

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Bruno Rezende: levantador fala as vitórias e desafios da carreira na biografia ‘Entre Sombras e Vitórias’Leo Aversa/Sextante/Divulgação
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Você se aposentou recentemente da seleção brasileira, mas teve uma função de liderança nessa nova geração. Como vê essa nova fase do vôlei brasileiro? Nos últimos anos, principalmente nesse último ciclo, houve uma mudança grande de idade. Alguns atletas poderiam ser meus filhos, porque são 20 anos de diferença, então eu tinha a responsabilidade de passar algo para eles. Às vezes a gente pensa só em resultado, mas existe um processo de desenvolvimento por trás que é a base para conquistar esses resultados. A minha geração recebeu esse legado de comprometimento e dedicação da geração anterior, que tinha Serginho, Giba, Gustavo, André Eler. Eles eram referência e mostraram que o caminho era através de ralação e de sacrifícios. Era isso que a gente também precisava passar para os mais novos, e acho que eles estão conseguindo levar isso adiante. Tenho certeza que as consequências serão ótimos resultados, como a gente já tem visto.

Você fala no livro que você sentia que o que seu pai era mais rígido com você, até para te proteger. Mudou a relação de vocês depois aí que acabou essa relação técnico-atleta? Com certeza. Ela foi mudando ao longo dos anos e a gente foi amadurecendo certas coisas. No começo houve um distanciamento natural, porque a gente não sabia como lidar com aquilo. Ele era sempre mais rígido comigo, e eu sabia que isso fazia parte, mas também não queria estar com ele nos momentos de folga, então a relação de pai e filho esfriou. Naquele momento, a gente não conseguia desvencilhar aquela relação da de treinador e jogador. As coisas foram se tornando mais tranquilas co o tempo. Depois de 2016, com o ouro olímpico no Rio, ele acaba saindo da seleção, e aí voltamos a ter uma relação totalmente de pai e filho. Eu também fiquei mais velho, e nos tornamos amigos.

Fala-se muito sobre o seu pai, mas a sua mãe, Vera Mossa, também foi uma grande jogadora. Ela equilibrava as coisas? Sim. Minha mãe é a protetora, é aquela que sofreu em todos esses momentos junto comigo, e muitas vezes sofreu calada para não me preocupar. Ela sempre foi aquela que dá o ombro, e foi importante ter alguém para estar ao meu lado nos momentos difíceis com um abraço. Por um lado, talvez eu tenha tido um treinador, e perdido um pouco o pai, mas minha mãe estava ali segurando as barras. A vida é assim, e essas experiências me fizeram amadurecer.

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Você ganhou tudo que tinha para ganhar na seleção brasileira. Ficou algo para conquistar? Não, mas eu queria ter conquistado outras coisas que não conquistei. Acho que principalmente a medalha em Tóquio, que ficou muito engasgada para mim, e a medalha de Ouro em Londres. Então tem algumas coisas que eu queria ter conquistado a mais, mas agradeço a Deus pelos títulos e por tudo o que ganhei na vida. Quando eu era garoto e comecei a jogar, não imaginava poder conquistar tudo, então não tem como não ser grato.

Você está com 39 anos e ainda joga profissionalmente. Pensa em aposentadoria? Quais são os seus planos para o futuro? Não penso. Enquanto eu estiver motivado eu quero continuar jogando. A gente sabe que o nosso corpo começa a dar sinais, mas enquanto eu estiver bem, eu quero continuar. Não tenho uma data pra me aposentar. Vivo ano após ano, mas vou me preparando para o futuro. Vou terminar a minha faculdade e tenho investimentos fora do voleibol. Eu pretendo estar no esporte de alguma forma no futuro, então vou me preparar em outras áreas para quando chegar o momento de parar eu estar pronto.

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