O consumidor brasileiro valoriza as ações em prol da governança ambiental, social e corporativa. No entanto, não está disposto a pagar mais caro por produtos sustentáveis, ainda que valorize essa alternativa, desde que o preço seja semelhante. Em geral, as pessoas não estão seguras da efetividade das ações do setor privado em temas relacionados a ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Ainda assim, quando confrontadas com nomes de organizações, elas diferenciam aquelas que, ao longo dos anos, alinham discurso e prática de forma consistente.
Essas são as principais conclusões do levantamento Reputação 360°: o ESG além da sustentabilidade, realizado pela empresa de pesquisas Ipsos pelo segundo ano consecutivo — a edição de 2024 tinha o nome de ESG 360° e se consolidou como o maior estudo de opinião pública sobre reputação corporativa e performance ESG de empresas brasileiras, com 6 000 entrevistados (1 000 a mais do que no ano anterior), que avaliaram a atuação de 125 empresas, de 23 setores da economia.
Como explica o presidente da Ipsos no Brasil, Marcos Calliari, o objetivo do levantamento é apurar a importância que a população, de todas as regiões, classes sociais e faixas de idade, dá ao tema. “ESG deixou de ser promessa e passou a ser cobrado em termos de impacto verificável. Produzimos essa pesquisa porque o país precisa de um mapa atualizado e confiável para navegar a transição em curso — e porque acreditamos que decisões melhores nascem de dados melhores”, afirma Calliari.
A metodologia da pesquisa passou por alguns ajustes de um ano para o outro, de forma a reforçar a atenção à reputação. A abordagem das perguntas, apresentadas para os entrevistados em julho deste ano, deixou clara a importância de garantir o alinhamento entre o que é prometido e o que, de fato, acontece na prática. “De um ano para o outro, identificamos uma mudança de perspectiva: o público dá mais crédito ao papel dos cidadãos e dos governos, enquanto eleva o grau de cobrança em relação às empresas”, afirma Rafael Pisetta, gerente de projetos de pesquisa em reputação corporativa, ESG, crises e saúde de marca da Ipsos.
O estudo também indica que a disposição para consumir de forma responsável se mantém alta, mas o orçamento das famílias continua sendo o grande limitador: dois em cada três brasileiros ainda colocam o preço como fator decisivo na compra de produtos sustentáveis, e 77% das pessoas declaram que as empresas devem absorver os custos da sustentabilidade, sem repassá-los aos consumidores. “O consumidor brasileiro está dizendo com todas as letras: a sustentabilidade precisa caber no bolso e na rotina”, diz Calliari.

Há também uma forte cobrança dos entrevistados em relação à qualidade das informações comunicadas: apenas uma em cada cinco pessoas se sente bem-informada sobre o tema, enquanto 62% dizem que a maioria das companhias usa o ESG apenas para melhorar a própria imagem. O ceticismo é mais alto entre os mais jovens e as classes sociais mais baixas. “Existe uma forte percepção de que as práticas de social washing e green washing são muito comuns”, afirma Priscilla Branco, gerente sênior de reputação corporativa e opinião pública da Ipsos, referindo-se às práticas de exagerar os resultados de ações corporativas nas áreas social e ambiental.
A Ipsos apresentou aos entrevistados uma lista de companhias com atuação reconhecida em ESG. As respostas geraram notas, de 0 a 1 000, com a pontuação 500 caracterizando uma avaliação neutra. As notas médias de cada empresa formam o Índice de Percepção de Sustentabilidade Empresarial. A grande vencedora foi a Natura, com nota 742, seguida por O Boticário e Google. Além do ranking de reputação ESG, as organizações também foram avaliadas em relação à confiança. Nesse caso, as mais bem avaliadas foram, nesta ordem: O Boticário, Nestlé, Natura, Samsung, Google, Tramontina, Avon, Mercado Livre, iFood e Volkswagen.
Discurso e prática
Na frente ambiental, as pessoas avaliaram o compromisso de reduzir, reciclar e gerenciar os resíduos gerados, reduzir as emissões e combater as mudanças climáticas, usar recursos naturais de maneira responsável, oferecer produtos ou serviços que respeitem o meio ambiente e atuar na conservação e proteção das florestas.

No quesito social, foram avaliados os compromissos de contribuir para o desenvolvimento econômico do país, garantir a diversidade, trabalhar em conjunto com as comunidades onde opera, garantir a saúde e o bem-estar dos funcionários e investir em projetos sociais e culturais. Em governança, foram levadas em conta as capacidades de gerenciar o negócio de forma transparente, atuar de maneira ética, garantir a diversidade de gênero em diretorias, proteger a privacidade dos clientes e pagar corretamente os impostos.
“As empresas que se destacam são as que atuam de forma sustentável há muitos anos, o que ajuda a entender a liderança de uma companhia como a Natura. Apesar da desconfiança geral da população, essas companhias contam com o benefício da dúvida porque construíram a imagem pública de que prática e discurso estão alinhados”, afirma Helio Gastaldi, diretor de opinião pública da Ipsos.
Esse alinhamento é reforçado pelo posicionamento da própria empresa. “A sociedade espera que as marcas e seus líderes se posicionem e tenham consistência em sua forma de fazer negócios. Não pode ser apenas uma pauta ou um discurso”, diz Ana Costa, vice-presidente de sustentabilidade, jurídico, reputação e governo da Natura. A empresa atua na região amazônica há 25 anos e, na frente social, mede o IDH, o índice de desenvolvimento humano, de suas consultoras e tem como meta aumentar esse indicador em 10% até 2030. Costa afirma que a sustentabilidade está no centro da estratégia da Natura. “Em um contexto de múltiplas crises, de emergência climática, de aprofundamento de desigualdades, agir e engajar outros atores contribui para mostrar caminhos possíveis e nos posiciona como um agente ativo de transformação.”

Outro exemplo de organização que vem construindo essa reputação ao longo do tempo é o Grupo Boticário. Segundo Luis Meyer, diretor de ESG da empresa, o envolvimento com o tema não é recente — a Fundação Grupo Boticário atua há 35 anos, e o Instituto Grupo Boticário, há mais de duas décadas. “No Grupo Boticário, ESG é um princípio estruturante e inegociável”, afirma Meyer. Entre as prioridades da empresa nessa área, ele aponta a redução dos impactos das operações sobre o meio ambiente e o avanço em temas como gestão de resíduos e circularidade de embalagens, uso eficiente da água, uso de energia renovável, conservação da biodiversidade, fornecimento sustentável e desenvolvimento de produtos cada vez mais sustentáveis. “Ao compartilhar suas conquistas e desafios, o Grupo Boticário busca engajar clientes, parceiros e a sociedade em um ciclo virtuoso de impacto positivo, com o objetivo de construirmos juntos um futuro mais sustentável, equânime e inclusivo.”
A pesquisa aponta ainda o valor de posicionar o ESG no centro das estratégias, com coerência e boa comunicação. “A conscientização e a responsabilização em relação às questões ambientais e sociais continuam muito significativas em importância estratégica. Os consumidores seguem exigindo que as empresas demonstrem responsabilidade social, adotem ações éticas e contribuam positivamente para o meio ambiente”, diz Marcos Calliari, da Ipsos. O resultado pode ser uma boa imagem.
Publicado em VEJA, setembro de 2025, edição VEJA Negócios nº 18