Sob pressão para mostrar avanços concretos na transição energética, o governo do Brasil abriu nesta segunda-feira (17) a consulta pública da Estratégia Nacional de Descarbonização Industrial (ENDI), durante a COP30.
A iniciativa, conduzida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), busca reduzir emissões em setores que historicamente ficaram à margem das políticas climáticas e que hoje são decisivos para o cumprimento da meta brasileira de zerar as emissões líquidas até 2050.
A estratégia, cuja versão final está prevista para janeiro, pretende orientar a transformação de segmentos de difícil descarbonização, como cimento, aço, vidro, químicos, alumínio e papel e celulose.
Embora representem cerca de 10% das emissões nacionais, esses setores concentram alto consumo de energia e ainda dependem majoritariamente de combustíveis fósseis, o que os coloca no centro do debate sobre competitividade em uma economia global que se move para padrões de baixo carbono.
A consulta pública estará aberta até 17 de janeiro de 2026 na plataforma Brasil Participativo.
Governo tenta sinalizar ambição, mas depende do engajamento do setor privado
O lançamento foi marcado pela assinatura de uma carta de engajamento entre o MDIC, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e setores energointensivos. O
gesto buscou mostrar coesão institucional em um momento em que o país precisa provar que a agenda climática não se resume ao avanço do agronegócio sobre biomas ou à pressão por financiamento internacional.
O vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, que conduziu o anúncio no Pavilhão Brasil, defendeu que a proposta pode reposicionar o país no tabuleiro industrial global.
“A indústria do futuro é de baixo carbono. E fortalece a produção nacional e aumenta nossa competitividade em um cenário que exige baixas emissões”, disse.
A presença intensa da CNI no processo, como parceira técnica da estratégia, revela o cálculo político do governo: sem o setor produtivo, não há transição possível; sem incentivos claros, dificilmente haverá adesão.
Alex Carvalho, presidente da FIEPA e vice-presidente da CNI, afirmou que a transição só avança se vier acompanhada de ganhos econômicos.
“É a chance de alinhar os setores energointensivos às metas de longo prazo e às rotas tecnológicas que já estão em curso”, disse.
Davi Bomtempo, superintendente de Meio Ambiente da entidade, reforçou que a cooperação com o governo é inédita na escala proposta. Segundo ele, setores de alto consumo energético “são fundamentais para o sucesso da agenda” e precisam de previsibilidade, inovação e crédito.
O que está no plano
A proposta, tratada pelo governo como um “esqueleto” ainda em construção, está organizada em quatro pilares:
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Pesquisa, inovação e capacitação: criação de tecnologias nacionais e qualificação de mão de obra para novas cadeias industriais.
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Insumos descarbonizantes: substituição gradual de combustíveis fósseis por alternativas como biomassa, hidrogênio de baixa emissão e materiais reciclados.
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Estímulo à demanda: certificações e políticas de compras públicas que criem mercados para produtos de baixo carbono.
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Financiamento: novos instrumentos de crédito, garantias e incentivos fiscais em parceria com bancos públicos e privados.
O governo também pretende fomentar novas cadeias verdes, especialmente ligadas a insumos de base biológica e ao processamento de minerais estratégicos — área na qual o Brasil tenta ocupar posição de destaque no contexto geopolítico da transição energética.
Ambição x realidade
Apesar do discurso afinado, o lançamento da ENDI ocorre em um contexto em que o país tenta conciliar interesses divergentes: por um lado, pressões internacionais para reduzir emissões industriais; por outro, o receio de perda de competitividade em setores que sustentam parte expressiva do PIB industrial.
A assinatura da carta de engajamento na COP30 funcionou como um gesto simbólico, mas não resolve a equação central: quem paga a conta da transição, e em que ritmo.
A abertura da consulta pública, no entanto, marca o primeiro movimento concreto de um governo que tenta evitar que a indústria brasileira fique presa a uma matriz intensiva em carbono capaz de torná-la obsoleta diante de regulações mais rígidas em seus principais mercados externos.
Se o projeto tiver força política e financeira para alterar a trajetória das emissões industriais, só será possível medir quando a estratégia sair do papel e, sobretudo, quando o setor privado ultrapassar a fase da adesão formal e entrar na etapa mais difícil: a da implementação.