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Brasil cobra muito imposto e cobra mal, diz ‘pai’ da Lei de Responsabilidade Fiscal

Não é só o tamanho da carga tributária brasileira – que chegou no ano passado aos maiores níveis em um século, conforme mostra reportagem desta semana da revista VEJA – que é um problema para o país. O pior, na visão do economista especializado em finanças públicas José Roberto Afonso, é que ela é mal distribuída, gerando ineficiências e desigualdades. “É importante debater não só quem paga mais e quem paga menos imposto, mas também quem se beneficia mais ou menos dos gastos públicos“, disse ele em entrevista a VEJA. “A carga tributária é muito mais consequência do que causa. Ela é consequência de termos despesas públicas muito altas, porque temos um Estado bastante gordinho, e o país não vai cobrar menos imposto sem gastar menos.”

Economista do BNDES desde os anos de 1980 e, depois, do Senado, Afonso foi um dos principais consultores que assessoraram o Congresso Nacional na formulação da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, a primeira e até hoje uma das principais legislações que disciplinam os gastos públicos no Brasil. Antes disso, participou também como consultor econômico da elaboração da Constituição Federal, em 1988, nos pontos ligados às finanças e ao orçamento público. Hoje é professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e da Universidade de Lisboa.

“O tamanho da carga tributária é uma discussão, e outra é a qualidade, que, para mim, é um problema ainda maior. Mais grave do que cobrar muito, é que o Brasil cobra mal”, diz ele. “Se eu não consigo cobrar menos, eu preciso tentar pelo menos cobrar melhor, o que significa cobrar de uma maneira mais justa, com que todos concordem e baseada em dados, não em impressões.”

Entre os problemas, ele menciona o peso maior que os impostos indiretos, aplicados sobre bens e serviços (como ICMS, ISS, PIS e Cofins), tem na arrecadação brasileira do que os diretos, como os sobre a renda e o patrimônio. Diferentemente do que acontece em países desenvolvidos, onde são os impostos sobre a renda que compõem a maior parte da arrecadação, no Brasil e outros emergentes a fonte das contribuições ainda vem dos impostos sobre consumo. Isso acaba prejudicando os mais pobres, já que o imposto pago sobre tudo o que compram – e que é o mesmo para todos – pesa mais sobre o seu orçamento do que no dos mais ricos. “Isso é ruim não só pelo lado da distribuição de renda e da equidade, mas, pior, também porque, no Brasil, esses impostos acabam tributando as exportações e os investimentos, como máquinas e equipamentos, uma coisa que não faz sentido nenhum em uma economia em desenvolvimento.”

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A reforma tributária aprovada em 2023, que unifica e simplifica os impostos sobre bens e serviços, se propõe, justamente, a atacar uma parte desses problemas. Ela cria um novo imposto único, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), e promete acabar com a chamada cumulatividade, que é a cobrança de imposto sobre imposto, justamente o que onera investimentos e exportações no Brasil. Ela entrará gradativamente em vigor a partir do ano que vem. “Precisaremos ver se vai funcionar”, diz Afonso. “Muitas coisas já eram previstas em lei, e sua efetividade têm muito mais a ver com a prática e a cultura do que com a teoria”, diz Afonso.

Ele também cita a necessidade de se pensar na modernização dos tributos sobre a folha de pagamento, outra das principais fontes de arrecadação dos cofres nacionais – não só porque é dela que vêm as contribuições previdenciárias, a maior conta e o principal desafio das finanças públicas hoje, mas, também, por conta das rápidas mudanças por que vem passando o mercado de trabalho. “A bomba previdenciária, para mim, não está do lado do benefício, mas, sim do lado do financiamento, porque os salários estão perdendo espaço na economia” diz. “Há um avanço muito forte do empreendedorismo – da ‘pejotização’, do MEI, da pessoa que não quer CLT. Isso é uma mudança cultural irreversível que muda a dinâmica de como os impostos são cobrados, e tem repercussões enormes que ainda não estão sendo consideradas.”

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Maior carga da história

A carga tributária brasileira passou dos 34% em 2024 quando comparada em proporção ao PIB, uma marca nunca antes registrada desde pelo menos 1947, conforme levantamento feito por VEJA com base nos dados históricos da Receita Federal e também do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). É um peso comparável ao de países como o Reino Unido e o Japão, onde o que é pago em impostos também representa perto de 34% do PIB – mas com retornos muito maiores aos cidadãos do que no Brasil.

Alguns dos países com as maiores cargas tributárias do mundo
Alguns dos países com as maiores cargas tributárias do mundoArte VEJA/Reprodução

“A carga do Brasil é historicamente alta, mas ela reflete a opção do padrão de gasto que o país fez, que é bastante expressivo, sobretudo se comparado com outros emergentes”, diz Afonso. “Poucos emergentes gastam com seguridade e com a ordem social como o Brasil, o que inclui a Previdência, a assistência social, saúde, educação. O peso da Previdência, no Brasil, em proporção ao PIB, é comparável com o de países desenvolvidos. E tudo isso tem que ser financiado.”

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