A busca pelos combustíveis sustentáveis do futuro acontece em diferentes frentes. Novas formas de gerar eletricidade e de movimentar máquinas e veículos são testadas e desenvolvidas diariamente. Algumas já alcançaram escala comercial, como as fontes eólica e solar, ou mesmo o etanol brasileiro, desenvolvido desde os anos 1970. Outras mostram-se mais desafiadoras.
É o caso do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), uma solução renovável e limpa para este transporte, cuja busca desafia e incentiva empresas e países de todos os quadrantes. De acordo com a consultoria Market and Markets, o investimento global nessa área, que é de US$ 2,06 bilhões atualmente, deverá chegar a US$ 25,62 bilhões em cinco anos.
O setor aéreo é estratégico para uma série de atividades econômicas, mas também responde por uma fração expressiva das emissões de gases poluentes. O mesmo acontece com a navegação, que responde por mais de 80% do volume de importações e exportações mundiais, de acordo com a Câmara Internacional de Navegação.
“Há uma pressão internacional pela descarbonização dos transportes marítimos e aéreos. Esse desafio também representa uma oportunidade para países como o Brasil”, avalia o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. Para ele, a entidade de fomento executa papel fundamental de estruturar uma cadeia de fornecimento para esse mercado.
“No mundo, a aviação e a navegação contribuem, conjuntamente, com cerca de 5% das emissões globais de gases causadores das mudanças climáticas”, detalha José Luis Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES. No setor de transportes, 20% das emissões partem destes dois modais.
“Combustíveis sustentáveis derivados de biomassa, resíduos e outras matérias-primas renováveis podem reduzir em mais 90% essas emissões, e o Brasil, pelo seu histórico protagonismo tecnológico e empresarial na produção de biocombustíveis para uso no transporte terrestre, reúne todas as condições de liderar também a transição energética do transporte aéreo e marítimo”, prossegue Gordon.
Naturalmente, o BNDES apoia esta missão. Como faz desde a década de 1950, o banco continua fomentando o desenvolvimento brasileiro e o estímulo à infraestrutura nacional. Depois de décadas incentivando, nesta ordem, a ascensão da indústria, a política de substituição de importações, o incremento às exportações, as privatizações e o suporte a micro, pequenas e médias empresas, mais recentemente a instituição vem atendendo à urgência ambiental e intensificando sua atuação nessa agenda.
Chamada pública
Nesse contexto, em 2024, o BNDES lançou, em conjunto com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) uma chamada pública de Planos de Negócios para investimentos em combustíveis de aviação e navegação de baixo carbono.
A iniciativa disponibilizou R$ 6 bilhões, metade do BNDES e a outra, da Finep. Puderam participar do processo de seleção as empresas brasileiras produtoras de combustíveis ou que realizam atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação para desenvolver tecnologias e empreender atividade de produção e/ou comercialização de combustíveis sustentáveis de aviação e navegação.
Foram recebidas 76 propostas, que totalizam investimento potencial de R$ 167 bilhões. Do total recebido, 43 propostas tiveram como interesse principal a produção de combustíveis de aviação (SAF), e totalizaram R$ 120 bilhões. Já para combustíveis marítimos (principalmente e-metanol) foram recebidas 33 propostas que somaram R$ 47 bilhões. Após avaliação pelo BNDES e FINEP, 42 propostas foram enquadradas, totalizando um investimento previsto de R$ 133 bilhões, dos quais R$ 99 bilhões em SAF e R$ 43 bilhões para combustíveis marítimos.
“O objetivo é oferecer condições para que se acelerasse a tomada de decisão para esses investimentos, por meio da coordenação das ações de fomento, integrando os instrumentos financeiros disponíveis nas duas instituições e dividindo as diversas etapas dos projetos nos programas mais adequados, além de estimular a fusão de projetos que se apresentem como complementares”, diz Gordon, do BNDES.
Ele lembra que o foco em combustíveis renováveis para aviação e navegação pode colocar o Brasil na liderança de um mercado estratégico globalmente. E ainda gerar empregos. “Estima-se que a agroindústria da bioenergia gera quase seis vezes mais emprego do que a indústria do petróleo, quando se considera a relação entre quantidade de pessoal empregado por volume de energia produzida. Portanto, os biocombustíveis têm um papel importante na geração de emprego e renda.”
Setor promissor
O Brasil pode liderar esse processo de transição para os biocombustíveis para a aviação e a navegação, e não apenas para consumo interno, defende Evaristo Pinheiro, presidente da Associação Brasileira dos Refinadores Privados (Refina Brasil). “Esse setor já nasce internacionalizado e competitivo no comércio global. O Brasil tem todas as condições de se posicionar muito bem nessa corrida, mas não pode se contentar com as características positivas que o beneficiam, como o acesso à biomassa: precisa liderar a inovação tecnológica nessa área”, ele argumenta. Em sua avaliação, é necessário trabalhar em três frentes.
“Precisamos que o Brasil seja ativo e eficaz na negociação pela regulamentação, para que outros países reconheçam o alto padrão dos produtos nacionais. Em paralelo, é crucial atuar na regulamentação interna, para que a produção e o consumo de biocombustíveis continuem sendo incentivados. Por fim, é fundamental garantir o acesso a investimentos a preços competitivos, com tributação competitiva e apoio bancário. Neste aspecto, o suporte do BNDES se destaca e tem se mostrado decisivo. É preciso manter um senso de urgência a respeito desse tema.”