Em uma icônica cena de 007 contra Goldfinger, o James Bond de Sean Connery pede um drinque. “Um martíni. Batido, não mexido”, diz ele. Na versão de Bond, que seria mencionada ao longo das décadas em quase todos os filmes do agente secreto, o tradicional gim usado no coquetel é geralmente substituído por vodca. Mas há outra bebida no preparo: vermute. Trata-se de um item indispensável em alguns dos mais clássicos coquetéis de todos os tempos. No negroni, é compartilhado em partes iguais com gim e Campari. No boulevardier e no manhattan, divide os holofotes com uísque. No vieux carré, pedido por quem prefere doses mais fortes, a versão doce acompanha uísque de centeio, conhaque, licor herbal Bénédictine e bitters Peychaud’s.

Popular na mixologia, clássico a não mais poder e raramente consumido puro (neste caso, com água gasosa, fatias de laranja e azeitonas), o vermute andava à sombra. Brotou, recentemente, uma nova onda de interesse, com o lançamento de rótulos e procura nos bares. Nesse cenário, a América Latina tem despontado como uma região de inédito destaque. Produtores de países como Argentina e Uruguai estão criando receitas contemporâneas e, com elas, novas ocasiões de consumo. Uma das principais diferenças é o uso de vinho tinto, como o tannat uruguaio, que confere um perfil distinto à bebida, com algum tanino. O vermute Flores, do Uruguai, é vendido em casas de importados e vem ganhando espaço em cartas especializadas de bares. Na Argentina, um dos principais nomes é La Fuerza, que não tem exportação oficial para o Brasil, mas tem sido trazido na mala de quem viaja ao país vizinho. “Essa nova escola do sul tem colocado vinhos de terroir no centro de suas receitas”, conta Seba Despis, argentino que mora no Brasil e abriu um bar especializado em vermutes ao lado da esposa, Clarissa, em Paraty, no Rio de Janeiro. Lá, produz seus próprios rótulos, com o nome La Finca. O portfólio atual tem seis opções, mas apenas duas são engarrafadas. O resto, só no bar. Despis é pioneiro entre os produtores artesanais brasileiros, mas não é o único a investir na bebida.

Há um número crescente de vermutes feitos aqui, com ervas aromáticas próprias do nosso país. A destilaria San Basile, de São Paulo, tem quatro diferentes rótulos. O APTK Spirits, do premiado bartender Alê D’Agostino, produz Circollo Rosso, pensado para coquetelaria ou consumo puro. Mais recentemente, a Enraízes colocou no mercado seu vermute autoral, com raízes brasileiras. E a Companhia dos Fermentados também tem uma linha artesanal que usa jabuticaba, caju e outros ingredientes nacionais.

São variações em cima de uma mesma receita. Todo vermute começa com um vinho, geralmente branco, que recebe a adição de ervas aromáticas e outros ingredientes, como anis-estrelado e canela, que oferecem um perfil de sabor único. A coloração avermelhada vem do açúcar caramelizado ou do corante caramelo. Na União Europeia, há uma legislação própria: todo vermute deve ter ao menos 75% de vinho na composição final, deve receber pelo menos uma erva da família da artemísia (que confere amargor característico) e precisa ter entre 15% e 22% de teor alcoólico. Para alcançar essa graduação, os produtores acrescentam álcool de cereais. Em mercados como o dos Estados Unidos as regras são menos rígidas, atalho para criatividade exagerada.

Há ainda diferentes categorias de vermute. O seco, como o nome já indica, pode ter pequenas quantidades de açúcar residual, de acordo com a legislação, mas geralmente é feito sem nenhum grama, e tem um perfil mais herbáceo e floral. O vermute bianco é meio seco, com um pouco mais de açúcar, e geralmente compõe coquetéis como o martíni. Já o vermute doce (ou rosso) leva açúcar caramelizado, o que dá a tradicional cor avermelhada, e tem um perfil de especiarias. Está no negroni, por exemplo, e também é consumido puro, como aperitivo ou digestivo, em países como Itália e Espanha. Além das classificações oficiais — só para deixar a aventura ainda mais complexa — há diferentes “escolas”. Na Itália, por exemplo, os vermutes têm um amargor marcado, além do dulçor do caramelo, e estão presentes na coquetelaria. Na França, há uma linha que produz vermutes herbais, mais delicados. Na Espanha, especialmente na região de Jerez, o vinho de mesmo nome é usado como base, e o resultado é uma bebida que valoriza mais a matéria-prima do que as ervas e especiarias usadas no preparo das receitas. É um mundo de possibilidades, “batido ou mexido”, como diria o espião 007 a serviço da realeza.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953