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Aumentou a conta

Já estava ruim, ficou muito pior. E a perspectiva para a temporada eleitoral de 2026 é de aumento na sangria de dinheiro dos impostos para tapar buracos abertos no caixa de companhias estatais, que o governo federal classifica como “não dependentes” de recursos do Orçamento.

Nove empresas públicas, por exemplo, estão perdendo 1 bilhão de reais por mês, na média de janeiro a agosto. Isso representa uma vazão de 35 milhões de reais por dia, na estimativa do Tesouro Nacional e da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado. Na vida real, o prejuízo é bem maior, mas está parcialmente encoberto por manobras gerenciais. Uma das táticas é aumentar as dívidas com fornecedores. Os Correios faturam 20 bilhões de reais por ano e, pelo balanço, gastam 20% a mais para manter as portas abertas de segunda a sexta no atendimento a 5 570 municípios.

Durante o primeiro semestre, seus dirigentes conseguiram conter as perdas mensais no patamar de 700 milhões. Agora, a maquiagem está derretendo: a empresa vai fechar 2025 com uma dívida represada acima de 15 bilhões de reais, contou em audiência no Senado na semana passada o ex-diretor financeiro Heglehyschynton Valério Marçal. Ou seja, no réveillon o endividamento com fornecedores terá a dimensão do seu patrimônio.

Esse é somente um pedaço da dívida total, cujo tamanho permanece desconhecido. A única certeza é a de que a incerteza sobre os débitos deriva de má gestão e corrupção. Num exemplo, o governo não sabe sequer se é realista a estimativa de 4,5 bilhões de reais em débitos judiciais acumulados até junho.

Em agosto, uma auditoria independente advertiu sobre as “fragilidades” internas que resultaram em “inconsistências” no controle das dívidas na Justiça. A companhia possui uma equipe de advogados, mas mantém contratos milionários com dezenas de escritórios de advocacia. Ainda assim, nos tribunais tem renunciado à preservação dos próprios direitos — jogou a toalha em 3 700 processos.

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É caso simbólico de liquefação de uma corporação singular pela longevidade (362 anos de monopólio) e pela atividade espraiada por todo o país, o que dá dimensão nacional à crise.

“Cenário para temporada eleitoral de 2026 é de sangria de impostos para tapar buracos nas estatais”

Os Correios derretem em conse­quência de uma obstinada resistência política e sindical a mudanças na gestão das estatais em sintonia com o interesse público.

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É alegoria de uma degradação institucional progressiva, exposta ao público nos escândalos do mensalão e da Lava-Jato. De certa forma, foi agravada em 2023 quando o então juiz do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça, suspendeu parcialmente a Lei das Estatais. Funcionou como senha para a expansão do loteamento político.

Entre as companhias controladas pela União e classificadas como “não dependentes” do Tesouro, algumas sobressaem pelo custo crescente da ineficiência.

É o caso da empresa federal com 2 700 empregados que opera o sistema de trens urbanos no Recife, em Maceió e João Pessoa. A CBTU transporta passageiros a um custo quase oito vezes maior do que a receita que efetivamente obtém nessas três regiões metropolitanas do Nordeste. Essa proporção de gasto operacional em relação à receita (líquida) dobrou nos últimos cinco anos.

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Outra estatal de trilhos urbanos é a Trensurb, com 1 000 empregados, que atende à região metropolitana de Porto Alegre. Seu custo de atividade na operação e manutenção dos trens, na média, é três vezes e meia maior do que a receita, depois de descontados os impostos. No primeiro semestre recebeu 47,6 milhões de reais, mas precisou gastar 173,3 milhões para manter o serviço.

Casa da Moeda e as Companhias Docas do Rio de Janeiro, do Ceará, do Pará, da Bahia e do Rio Grande do Norte também devem pedir socorro financeiro, prevê o Tesouro Nacional no seu mais recente relatório sobre as empresas estatais.

Em alguns casos é possível alegar excepcionalidade até pelas peculiaridades de mercado. No entanto, em geral, o que acontece é ineficácia mesmo, decorrente da prevalência de interesses privados, políticos e sindicais, sob um quase inexistente sistema de fiscalização.

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O debate sobre as estatais é rarefeito no Brasil. Quando ocorre, acaba aprisionado na esgrima retórica sobre estatização ou privatização, principalmente durante as campanhas eleitorais, que acontecem a cada dois anos. Por conveniência política, a discussão se distancia dos aspectos relevantes da vida das empresas públicas e da sociedade que as mantêm. Sobra uma conta a pagar, cada vez mais cara.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972

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