As semelhanças com a tentativa de assassinato de Donald Trump são extraordinárias: num local aberto com grande público, um suspeito rasteja pelo telhado de um prédio próximo, vários celulares filmam a cena e alguns captam a bala assassina que transfixa o pescoço de Charlie Kirki.
Ao contrário de Trump, a quem mais do que admirava, amava, ele não teve a oportunidade de desviar os pouquíssimos centímetros que salvam a vida do presidente americano. O jorro de sangue que brotou do pescoço de Kirk metaforicamente respingou por todas as tantas celebridades que ganham a vida como ele: falando de maneira extraordinária a ponto de conquistar um público fiel na marca dos muitos milhões, tornando-se figuras adoradas por seu público e execradas pelos adversários políticos, a ponto de comentaristas de esquerda tentarem de alguma maneira culpá-lo pela própria morte.
Um deles, do canal de notícias MSNBC, foi demitido por dizer, logo após o atentado, que “ninguém sabia” se não poderia ter sido um admirador de Kirk que havia feito um “disparo comemorativo”.Também foi demitido um membro da equipe de imprensa do time de futebol Carolina Panthers por celebrar o assassinato.
Também não deixa de ser notável que tantas figuras de destaque da direita tenham sofrido atentados, de Jair Bolsonaro ao próprio Trump, passando por Miguel Uribe, o jovem pré-candidato à presidência da Colômbia.
FILTROS IDEOLÓGICOS
Isso não significa que personalidades de esquerda estejam tranquilas. Todo mundo vira um alvo em potencial quando se destaca, das tribunas dos parlamentos às bancadas dos programas de debate da televisão , passando pelo infinito universo das redes sociais. E tem motivos para ficar com medo quando um crime assim acontece, motivado por ódio político.
Guardadas as diferenças, Charlie Kirk tinha uma capacidade comunicativa comparável à do deputado Nikolas Ferreira, despertando admiração entre os jovens e afeto entre os mais velhos – no caso do americano, um carinho acompanhado por doações que impulsionaram seu início de carreira, até se tornar amigo próximo de Donald Trump Jr e depois do futuro vice, JD
Kirk tinha apenas 31 anos e seu canal direto com um público formado por estudantes, universitários ou jovens em início de carreira, criados num sistema de ensino dominado pelo pensamento esquerdista fez dele mais do que um influenciador. Depois da eleição, ele se mudou com a família para ficar perto de Mar-a-Lago e participar do sistema de escolha – e de filtros ideológicos – de integrantes do novo governo.
LÁGRIMAS DOS CONSERVADORES
É preciso ter peito para entrar num campus e defender ideias de direita – e Charlie Kirk adorava fazer isso.
Quando foi assassinado, estava numa barraca pintada com seu slogan: “Prove que estou errado”. Qualquer pessoa do público poderia desafiá-lo e ouvir de volta uma argumentação apaixonada, mas não desrespeitosa, apesar de declarações como a de que as vítimas de atiradores são o preço a pagar pela liberdade constitucional de ter armas – daí o pretexto para as lamentáveis celebrações de sua morte.
Seu chocante assassinato, anunciado entre lágrimas por apresentadores de direita como Megyn Kelly, corporifica o lado mais tenebroso da grande praça pública criada pelo mundo digital. É possível manter um debate que não leve à violência? A agressividade dos argumentos está perigosamente perto do transbordamento para o mundo físico?
Não existem inocentes nesse universo. Donald Trump chama os adversários de radicais da esquerda lunática. Lula da Silva normalizou a pesadíssima expressão “traidores da pátria”. O que merece alguém que trai seu próprio país?
O clima de consternação entre a direita e mal disfarçada satisfação à esquerda pelo assassinato de Charles Kirk não mudará isso. Mesmo que todos saibam como as lágrimas podem mudar de lado.