Nos últimos anos, desde o anúncio de Belém do Pará como sede da COP30, o Brasil vem descobrindo histórias que revelam as distâncias, físicas e sociais, que ainda separam o país real daquele das capitais. Hoje, a coluna traz uma dessas histórias que ainda fazem a gente se surpreender com o tamanho e os contrastes do nosso país. Trata-se de Prainha do Maró, comunidade ribeirinha a 22 horas de barco do hospital mais próximo, no oeste do Pará. Foi só há menos de três anos que a conexão chegou ao local, graças à internet via satélite, e transformou a realidade da Unidade Básica de Saúde local.
De lá para cá, o tempo de atendimento médico reduziu pela metade e vem salvando vidas nessa que é uma das regiões da Amazônia com maior número de casos de picadas de cobras venenosas no país. A espécie mais temida na região é a pico-de-jaca, cobra altamente venenosa e responsável pela maioria dos acidentes graves na floresta. Segundo o Instituto Butantan, trata-se da maior serpente peçonhenta das Américas e a segunda maior do mundo, atrás apenas da cobra-rei. Na Prainha do Maró, localizada a 1.200 quilômetros de Belém, o encontro com o animal faz parte da rotina dos moradores. O veneno potente causa hemorragias e necroses, e o tempo até o atendimento é decisivo: o soro antiofídico precisa ser aplicado o quanto antes para evitar mortes.
O local conta com uma única UBS, responsável por atender cerca de 2 mil pessoas de 15 comunidades do entorno. Os desafios logísticos e de comunicação em regiões isoladas como essa são problemas conhecidos para um atendimento médico mais rápido e eficiente, mas o acesso a internet vem mudando esse cenário.
Até 2022, a comunicação entre os moradores da Prainha do Maró era feita por cartas, boca a boca e rádio. A emergência era solicitada via rádio pelo agente comunitário de saúde. Luci Martinho, uma moradora local, conta que perdeu seu avô por falta de transporte e meio de comunicação. Ele faleceu cerca de 24 horas após uma picada de cobra sem o atendimento necessário.
De acordo com o Ministério da Saúde, a região Norte lidera o ranking de acidentes com serpentes peçonhentas com um total de 9,4 mil casos, o equivalente a 50,35 atingidos para cada 100 mil habitantes. O número representa quase o triplo da média nacional, de 14,86 para cada 100 mil habitantes. Desse total de notificações no país, 75% aconteceram em áreas rurais, contra apenas 20% em zonas urbanas.
A virada no cenário de Prainha do Maró começou com a chegada do projeto “UBS da Floresta”, que levou internet via satélite à comunidade e reformou a unidade básica de saúde. A conexão reduziu para menos da metade o tempo de atendimento e salvou a vida de Luci em uma nova ocorrência. Recentemente, ela também foi picada, mas a história foi diferente. “Eu fui picada pela cobra umas nove horas da manhã. Fui atendida na UBS, que fez contato com a cidade e um avião veio me pegar aqui. Quando foi cinco e meia da tarde, eu já estava medicada em Santarém. Fiquei com medo de morrer”, disse.
O agente comunitário de saúde Carlos Alberto dos Santos fala do esquecimento que moradores de comunidades remotas na Amazônia sofrem. “A gente era muito esquecido na nossa região. A chegada da Starlink mudou as coisas no nosso trabalho. A gente conseguiu se conectar com as pessoas, com outras comunidades. Se acontece um acidente, a gente já sabe que tem como se comunicar e brevemente a gente é atendido”, explica.
Hoje, Prainha do Maró já conta com atendimento online e de telemedicina. Equipamentos cruciais, como desfibriladores e kits de oxigênio, além de eletrocardiogramas, agora podem ser enviados a especialistas remotamente, para emissão de laudos à distância.
Enquanto o mundo se prepara para discutir o futuro do planeta em Belém, histórias como essa mostram que há partes do Brasil aonde o futuro ainda está chegando. Às vezes, ele vem na forma de um sinal de internet que salva vidas.