A cineasta Sandra Kogut, responsável por obras como Três Verões (2019), se propôs a documentar um dos momentos mais sensíveis da história recente brasileira: as eleições de 2022. O resultado é o documentário No Céu da Pátria Nesse Instante, que estreou na quinta-feira, 14, nos cinemas. O longa-metragem expõe a divisão do país, ao acompanhar personagens de espectros políticos antagônicos, durante todo o processo eleitoral. Sandra falou com a coluna GENTE sobre os medos ao longo do processo e as reverberações do filme no cenário atual.
Qual foi a maior motivação para cobrir as eleições presidenciais em 2022? A vontade era fazer um filme onde tentasse algum tipo de diálogo com pessoas que estavam do outro lado do espectro político. Era muito flagrante que tinha desaparecido aquele terreno comum, o debate. Também tive vontade de acompanhar o processo eleitoral com pessoas que têm alguma relação com isso, que trabalham para isso, mas que são anônimas. Como a mulher no meio da Amazônia, mandando urna para um lugar no meio da floresta… Aí eles têm que mandar o voto via satélite, para dar tempo de entrar na contagem global. A gente fala tanto em democracia, isso é a democracia na prática.
Houve medo ao fazer esse filme? Era um momento de muito medo. Lugares que você não conseguia ir, que não podia filmar, não podia usar certa roupa… Era um momento de tensão, tinha muita violência. Então, a gente, ao mesmo tempo que queria mostrar isso, tinha que ficar o tempo todo inventando algum jeito de fazer esse filme. Sempre tentando ficar no universo dos personagens, chegando nos lugares através deles. Um fotógrafo infiltrado, por exemplo, foi até um acampamento alguns dias. Fiquei preocupadíssima, mas ele achou que estava tudo bem. Ele foi no primeiro dia, ficou tudo bem. Foi no segundo, no terceiro e ele foi pego, engoliu o cartão de memória. É muito louco.
Recebeu ameaças? Pelas redes sociais sim, claro. Tem muita coisa ali que, se a gente ficar olhando muito, fica chocado. Mas não tem jeito. Prefiro ignorar, alimentar o ódio não leva a lugar nenhum.
Qual é a importância de se fazer filmes relatando fatos históricos recentes da história brasileira e personagens que ainda enfrentam desdobramentos jurídicos? Como é um filme que avança com personagens, quando as pessoas veem o filme, de uma certa maneira veem o seu próprio filme. Elas ficam revivendo aquilo, lembrando onde estavam, o que pensaram, sentiram. Isso ajuda a reacender até a necessidade de se pensar sobre aquilo. E esse filme, como retrata um momento-chave da nossa história recente, quanto mais o tempo vai passando e a gente vai descobrindo mais coisas sobre aquele momento, mais atual fica.
O filme encerra com a canção Tá na Hora do Jair Já Ir Embora, de Juliano Maderada e Tiago Doidão. Como foi essa escolha? Primeiro, o Lula ganhou e aquela música era o grande hino da campanha, foi cantada no Brasil inteiro. Inclusive, o Maderada, que fez a música, era um personagem do filme. Acabou que ele só entrou no final, mas acompanhei e gravei muita coisa com ele. Enfim, achei que era importante terminar com aquela música, porque reflete uma coisa concreta. Tem uma hora que uma das personagens fala: ‘Essa música foi número dois do Spotify’. Quando estava mostrando o filme nos Estados Unidos, alguém falou na plateia: ‘É louco que um single político tenha ficado número dois no Spotify’. Isso já diz muito sobre aquele momento.
Os atentados de 8 de janeiro ainda estão sendo julgados. Acredita que o filme pode lançar um novo olhar sobre o acontecimento? É difícil saber o que vai acontecer, um filme é uma coisa viva. Mas quero que ele traga olhares, reflexão, debate. Mas o que estou vendo das sessões é que tem sido muito quente, as pessoas ficam mobilizadas.