counter Articulações e embates mostram que Brasília já opera em modo campanha – Forsething

Articulações e embates mostram que Brasília já opera em modo campanha

Políticos sempre avaliam as consequências eleitorais de seus atos, mas, dependendo do calendário, conseguem às vezes deixar de lado as conveniências pessoais para priorizar os interesses do país. Esse desprendimento é raro e, obviamente, não está ocorrendo agora, quando todas as decisões em Brasília passaram a ser influenciadas pelas próximas eleições. De olho em um novo mandato, Lula ativou o modo de campanha e não para de encomendar a auxiliares medidas capazes de impulsionar a sua popularidade. O governo está mobilizado para encontrar recursos capazes de financiar um pacote permanente de bondades, sem se importar com a situação fiscal do país, cada vez mais grave. Os oposicionistas, além de empunhar bandeiras próprias, fazem o que podem para diminuir o caixa à disposição do presidente, inclusive com a ajuda de governadores que sonham com o Planalto. E os parlamentares não pensam em outra coisa que não a própria reeleição. Para boa parte deles, não importa o mérito das propostas, mas se elas repercutem bem ou mal em seus redutos. A um ano da votação, o Brasil já é refém de 2026.

Por exercer o poder, Lula é o catalisador da antecipação do cronograma eleitoral. No início da semana, o presidente esteve em Roma para um encontro com o papa Leão XIV, a pretexto de tratar de uma de suas obsessões na agenda internacional: uma ação global contra a pobreza e a fome. A reunião foi documentada em fotos e divulgada nas redes sociais. Numa entrevista, Lula diz que teve uma “química” muito boa com o pontífice, repetindo o termo empregado por Donald Trump para se referir à conversa inicial que ele travou com o petista. Imagens e palavras, ainda mais quando denotam prestígio, importam na busca por votos. Antes da viagem, o presidente ordenou um freio de arrumação em sua base de apoio a fim de expurgar aqueles que não pretendem apoiá-lo na campanha. Foi uma reação à decisão da Câmara de enterrar a medida provisória (MP) que taxava aplicações financeiras, bets e fintechs. Se fosse aprovado, o aumento de tributos ajudaria o governo a cumprir as metas fiscais de 2025 e 2026 e, mais importante, patrocinar ações de forte apelo popular.

ANISTIA - Valdemar e Paulinho: votação só com a certeza de que Bolsonaro não se livrará da cadeia
ANISTIA - Valdemar e Paulinho: votação só com a certeza de que Bolsonaro não se livrará da cadeiaBeto Barata/ PL//

Ciente disso, a oposição e setores do Centrão fizeram a MP perder o prazo de validade, impedindo que Lula tivesse 17 bilhões de reais adicionais para gastar em 2026. Os articuladores do revés contra as pretensões do Palácio do Planalto sonham com uma candidatura presidencial de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), acusado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de trabalhar contra o texto, o que o governador de São Paulo negou.

Com o mapa de votação em mãos, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, passou a demitir de órgãos, autarquias e bancos públicos quadros indicados por parlamentares que não defenderam a MP. A tesourada atingiu integrantes do União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB, que juntos controlam onze ministérios. Antes da retaliação palaciana, a federação formada por União Brasil e PP — que tem pré-candidatos a presidente (governador Ronaldo Caiado) e a vice-presidente (senador Ciro Nogueira) — ordenou aos ministros do Turismo, Celso Sabino (PA), e do Esporte, André Fufuca (MA), que deixassem seus cargos. Os dois, no entanto, desobedeceram à determinação e preferiram ficar ao lado de Lula, de quem dependem para se elegerem senadores pelo Pará e pelo Maranhão.

Continua após a publicidade

No modo palanque em tempo integral, o presidente anunciou recentemente a ampliação da distribuição de gás de cozinha e a isenção ou redução da conta de luz para pessoas carentes. Além disso, está empenhado em ampliar o crédito para reforma e compra da casa própria. Muitas das iniciativas dependem — e dependerão — do aval do Congresso, que também se guia por 2026. O governo já deixou claro que, se não houver aumento de tributos para compensar o arquivamento da MP, cortará mais de 7 bilhões em emendas parlamentares no ano que vem, dinheiro considerado fundamental para azeitar as campanhas de deputados, senadores e seus aliados. Uma das prioridades de Lula é a aprovação do projeto que isenta do imposto de renda quem ganha até 5 000 reais e reduz a carga para quem tem renda entre 5 000 e 7 350 reais mensais. O texto já foi chancelado pela Câmara e depende de análise do Senado. Por ter potencial para beneficiar 15 milhões de pessoas, dificilmente enfrentará a resistência da oposição, que tem outras batalhas para travar. Uma delas é o projeto de anistia aos investigados e sentenciados por tentativa de golpe.

BAIXO NÍVEL - Gleisi e Motta: demissão de aliados e constrangimento público
BAIXO NÍVEL - Gleisi e Motta: demissão de aliados e constrangimento públicoBrito Júnior/SRI-PR//

Condenado a 27 anos e três meses de prisão, o ex-presidente Jair Bolsonaro quer que sua tropa parlamentar aprove um perdão que o livre da cadeia e, se der, ainda lhe devolva o direito de disputar eleições. Equilibrando-se entre PT e PL, que o apoiaram para o cargo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolheu para relatar a questão o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que não concorda com a anistia ampla, geral e irrestrita e defende apenas a redução da pena dos golpistas, o que não garantiria a redenção do ex-presidente, como quer o mandachuva do PL, Valdemar Costa Neto. O conteúdo do relatório de Paulinho ainda não é conhecido. Também não há definição de quando o projeto será votado, já que o PT só quer que isso ocorra quando tiver certeza de que Bolsonaro não se livrará da cadeia e da inelegibilidade. A decisão de incluir ou não o tema na pauta é do presidente da Câmara.

Continua após a publicidade

Durante um evento no Rio de Janeiro, do qual participou ao lado de Lula, Motta foi vaiado e ouviu calado o presidente dizer que o Congresso nunca teve um nível “tão baixo”. Apesar de não morrer de amores pelo governo, o deputado passa por cima desse tipo de constrangimento e de toda a sorte de ataques da esquerda, que o acusa de defender os interesses da elite, porque quer eleger ao Senado seu pai, Nabor Wanderley, atual prefeito de Patos (PB), com a ajuda de Lula. O presidente é o maior cabo eleitoral no Nordeste e naquele município em particular. Hoje, quase tudo é guiado pela bússola eleitoral. Vale até para a escolha do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que substituirá Luís Roberto Barroso.

O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que comandou a Casa por onde tramitam os processos de impeachment contra juízes do STF, é o preferido da classe política e de integrantes da Corte para a vaga. Sua escolha, defendida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), esbarra no aparente favoritismo do advogado-geral da União, Jorge Messias, que tem ampla simpatia da esquerda e do PT. Faltando um ano para a votação, Lula lidera nas simulações de primeiro e segundo turno e recuperou o favoritismo, de acordo com analistas políticos. Como a previsão é de uma disputa tão acirrada quanto a de 2022, o presidente tende a pisar no acelerador. Em época de campanha, como já disse a ex-presidente Dilma Rousseff, faz-se o diabo. Em Brasília, pode-­se dizer que todos estão seguindo isso à risca, inclusive os que buscam a bênção do sumo pontífice.

Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2025, edição nº 2966

Publicidade

About admin