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Arranha-céus de luxo se multiplicam no Brasil — e no interior

A reação diante de um arranha-céu costuma dividir as pessoas: entre as fascinadas por gigantes de aço e vidro — e as que torcem o nariz. A gaúcha Stéphane Domeneghini, de 37 anos, faz parte do primeiro time. Como engenheira da construtora catarinense FG desde 2014, ela trabalhou nos projetos e na execução de alguns dos edifícios mais altos do Brasil, sendo dois dos cinco únicos prédios com mais de 200 metros de altura já concluídos por aqui — todos em Balneário Camboriú, hoje a capital nacional dos arranha-céus.

Atualmente, Stéphane acumula funções. Ela é a responsável pelas obras da Senna Tower, projetada para ser a maior torre residencial do mundo, com 554 metros de altura. E, desde o início do ano, atua como sócia e diretora-executiva da Talls Solutions, braço do grupo FG criado para prestar consultoria a outras construtoras, incorporadoras e empreendedores que estão se aventurando a bater recordes de altura Brasil afora.

A demanda está superando as expectativas. Em menos de um ano, a Talls já fechou 25 contratos para prestar serviços a empresas que pretendem erguer construções — muitas superando os 200 metros — em várias cidades brasileiras. A maioria desses projetos é de altíssimo padrão, com apartamentos que frequentemente ultrapassam dezenas ou até centenas de milhões de reais. “Não imaginava que haveria tanta procura”, diz Stéphane. “Além dos contratos já fechados, temos outros trinta em negociação.”

Há pelo menos 21 edifícios com mais de 200 metros sendo construídos ou projetados no Brasil, segundo o Conselho de Edifícios Altos e Habitat Urbano (CTBUH), organização internacional que estuda densidade urbana e construções verticais.

Os espigões de luxo estão se multiplicando rapidamente. Um exemplo é São Paulo, com quatro edifícios acima de 200 metros em projeto ou construção. Apenas um deles não é residencial. Até o início de 2026, a incorporadora WTorre pretende concluir um prédio de escritórios de 219 metros no complexo Alto das Nações, na Zona Sul da cidade. “As lajes estão 100% vendidas e o trabalho agora é atrair empresas para a locação desses espaços”, diz Marco Siqueira, presidente da empresa. Dos outros projetos em andamento na cidade, dois são da construtora Cyrela em parceria com a imobiliária J. Safra Properties: o Vista Cyrela by Armani/Casa e o Epic Cyrela by Pininfarina. As torres terão 210 metros de altura. O outro, com lançamento previsto para o ano que vem, é um residencial de 209 metros da incorporadora One Innovation na região da Avenida Rebouças, na Zona Oeste paulistana.

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Uma série de fatores precisa ocorrer para que um arranha-céu brote do chão. O primeiro é que as regras urbanísticas permitam prédios quase sem limite de altura. Isso tem ganhado força em cidades brasileiras, como Balneário Camboriú. Em São Paulo, o plano diretor de 2023 praticamente liberou a construção de arranha-céus perto das vias mais movimentadas.

Do ponto de vista econômico, porém, só a mudança nas normas não basta. Construir um arranha-céu faz sentido em momentos de alta demanda por imóveis e valorização desses ativos. No Brasil, os preços dos imóveis subiram acima da inflação em dez dos últimos dezesseis anos, segundo o índice FipeZAP. No fim das contas, grandes prédios são resultado da boa e velha lei da oferta e da procura — seja em Balneário Camboriú ou nos bairros mais nobres da capital paulista.

Vista da baía de Qianhai, em Shenzhen, na China: o país é o mais verticalizado do mundo
Vista da baía de Qianhai, em Shenzhen, na China: o país é o mais verticalizado do mundoiStock/Getty Images

A lógica econômica não livra essas construções da controvérsia. Seus críticos veem nelas paredões que bloqueiam a luz do sol para os vizinhos que vivem mais perto do chão, encarecem o custo da moradia, alteram a convivência da sociedade em bairros tradicionais e pioram o trânsito.

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Não precisa ser exatamente assim. Estudos mostram que, sob certas condições, a verticalização pode beneficiar as cidades. “Planejadores impõem limites de altura por associarem densidades altas a externalidades negativas”, diz o economista Gabriel Ahlfeldt, da Universidade Humboldt e da London School of Economics. Segundo ele, densidades muito altas podem gerar trânsito e poluição, mas também ganhos de produtividade. “Encontrar o ponto de equilíbrio é um desafio.” Quando esse equilíbrio é encontrado, o adensamento da população reduz a pressão para que o território urbano avance sobre áreas rurais e de mata, torna mais eficientes os investimentos em infraestrutura e contribui para que as pessoas possam morar mais perto do trabalho e diminuir os deslocamentos e o trânsito.

No Brasil, morar nos edifícios mais altos é privilégio para poucos. É preciso haver um mercado com poder aquisitivo e disposto a pagar pela moradia nas alturas. “É um público muito bom de trabalhar, que não traz problemas como inadimplência e não sofre tanto com ciclos econômicos”, afirma Tatiana Cequinel, presidente da Embraed, outra construtora de Balneário Camboriú. A empresa já teve o prédio residencial mais alto da América Latina e hoje desenvolve o Armani Casa Residences, com 270 metros e apartamentos de até 1 100 metros quadrados.

Os valores elevados se explicam também pelos custos. Em São Paulo, prédios com mais de 28 andares — cerca de 90 metros — ficam mais caros por exigências de segurança. “Os custos de prédios acima de 150 metros são de 20% a 30% maiores por metro quadrado”, diz Paulo Petrin, vice-presidente da incorporadora One Innovation. Os projetos também são complexos. No caso dos elevadores, o peso das máquinas pode chegar a 12 toneladas. “Um arranha-céu está para a construção civil como um carro de Fórmula 1 está para o automobilismo”, diz Sérgio Wriedt, diretor de novas instalações da Atlas Schindler, companhia que fornece elevadores para boa parte dessas novas torres no Brasil.

Balneário Camboriú: apartamentos para ricaços do agronegócio e jogadores de futebol
Balneário Camboriú: apartamentos para ricaços do agronegócio e jogadores de futeboliStock/Getty Images
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É inegável, porém, que existe um valor intangível em ter como endereço um prédio capaz de colocar seus moradores, metaforicamente, no topo do mundo — ou pelo menos da cidade. Em uma palavra, ostentação — comportamento que, no mínimo, não ajuda a amenizar a antipatia de quem não quer um arranha-céu na vizinhança.

Entre os clientes para esse tipo de imóvel há empreendedores que venderam seus negócios e profissionais liberais muito bem-sucedidos, como médicos e advogados. Jogadores de futebol também são potenciais clientes. “Entre nossos clientes temos dezenas de jogadores de futebol”, diz Jean Graciola, presidente da construtora FG — entre eles estão, por exemplo, o português Cristiano Ronaldo e sua família.

Poucos grupos, no entanto, são tão onipresentes entre os compradores quanto o formado por quem ganhou muito dinheiro com o agronegócio, como produtores rurais e executivos de grandes empresas do setor. Eles respondem por parte importante dos investimentos que sustentaram a construção do skyline de Balneário Camboriú — e agora estão por trás da verticalização no interior do Brasil. Prova disso é o crescente número de projetos acima de 200 metros de altura em construção ou planejados para polos produtores de soja, milho e algodão. É o caso de Rondonópolis (MT), Rio Verde (GO) e Chapecó (SC). Em Palmas, capital do Tocantins, está sendo construído o edifício Excalibur Residence, que terá 200 metros de altura às margens do lago formado pelo represamento do Rio Tocantins para a Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães. “Já vendemos 81 das 91 unidades do edifício”, diz Kleber Rodovalho de Souza, presidente da cooperativa que está construindo o prédio.

Evolução vertical

A verticalização brasileira teve altos e baixos. Nos anos 1940, o Edifício Altino Arantes (hoje Farol Santander), no centro de São Paulo, com 161 metros, foi o primeiro do tipo fora dos Estados Unidos. Depois disso, o país estagnou. “Planos diretores com regras rígidas dificultaram a construção de prédios mais altos”, diz o arquiteto e pesquisador Luis Henrique Villanova. Segundo ele, cidades que adotam diretrizes mais flexíveis, como Londres e Toronto, conseguem explorar melhor as vantagens da verticalização, promovendo diálogo entre construtoras, mercado e sociedade.

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A China é hoje o país mais verticalizado do mundo, com 1 271 edifícios com mais de 200 metros — 122 deles acima de 300 metros. Os Estados Unidos ocupam um distante segundo lugar, com 247 prédios, sendo 31 com mais de 300 metros. O Brasil está bem atrás, com apenas cinco edifícios que ultrapassam os 200 metros, mas a recente onda de construções altas mostra sinais de continuidade. O título de prédio mais alto do mundo segue com o Burj Khalifa, em Dubai, com 828 metros. Ele poderá ser superado em 2030 pela Jeddah Tower, na Arábia Saudita, planejada para ultrapassar os 1 000 metros — sua construção foi interrompida em 2018 e retomada no fim de 2024.

Se depender do prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), o Brasil poderá ter um desafiante. Ele propõe construir na cidade uma torre com mais de 1 quilômetro de altura como parte de um plano de revitalização do centro. O projeto, ainda sem detalhes, seria encaminhado por uma parceria público-privada. Muita coisa precisa acontecer para torná-lo viável. Mas, quando o assunto são os novos espigões, o céu parece ser o limite.

Publicado em VEJA, julho de 2025, edição VEJA Negócios nº 16

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