Apesar da boa relação com o presidente Lula, os comandantes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), reagiram ao decreto do governo que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) como forma de tentar equilibrar as contas públicas.
Entoando um discurso em defesa da austeridade, os dois parlamentares alegaram que o governo precisa fazer o dever de casa e cortar gastos, porque a “sociedade” não aguenta mais a carga de tributos. Trabalhadores, contribuintes e empreendedores já estariam sobrecarregados demais e não teriam condições de arcar com novas faturas.
O diagnóstico está correto, mas, como ficou claro nos últimos dias, nem sempre é levado a sério pelos próprios congressistas, que não resistem à tentação de legislar em causa própria ou de ceder a interesses poderosos.
Cortesia com o chapéu alheio
Na última sessão do Congresso, deputados e senadores derrubaram vetos do presidente Lula a “jabutis” inseridos num projeto que regulamenta a instalação de eólicas no mar. A decisão beneficiou empresários do setor de energia e, na prática, resultará em quase 200 bilhões de reais em custos adicionais acrescidos à conta de luz até 2050. Quem pagará a fatura? O consumidor. Ou a tal “sociedade” que as excelências tanto dizem defender.
Na mesma sessão, também foi modificado o percentual de reajuste do fundo partidário, que consome mais de um bilhão de reais por ano. Os congressistas adotaram, obviamente, um índice maior de correção, deixando de lado a ladainha em defesa da austeridade e ignorando a situação do Orçamento no Brasil, que está engessado e, caso nada seja feito, pode ser incapaz de sustentar até mesmo o funcionamento da máquina pública.
Meu pirão primeiro
Um dia antes da sessão do Congresso, o plenário da Câmara aprovou um requerimento de urgência do projeto que derruba o decreto do IOF. A decisão foi motivada não apenas pela alegada insatisfação com a carga tributária, mas principalmente porque o governo só começou a liberar há pouco tempo, e de forma homeopática, as emendas parlamentares, que atingiram 50 bilhões de reais no Orçamento deste ano.
A análise da urgência do projeto do IOF foi usada como recado — ou ameaça — ao Planalto: a retórica parlamentar até diz que deve haver contenção de gastos, mas não do dinheiro destinado por deputados e senadores a seus redutos eleitorais. A austeridade, portanto, tem de ser seletiva.
As votações em Brasília ocorreram num esforço concentrado realizado na segunda-feira e na terça-feira passadas. Depois de cumprirem a missão, os parlamentares entraram de folga, para curtir as festas juninas, e só devem retomar o trabalho em duas semanas. A “sociedade” está de olho.