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Ano termina com temperatura elevada entre STF e Congresso sobre emendas

O grau de tensionamento na relação entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal termina o ano em temperatura elevada. No domingo 21, o ministro Flávio Dino suspendeu a vigência de um artigo de um projeto de lei aprovado na última semana de trabalho dos deputados e senadores. Usando um notório ardil, parlamentares haviam inserido na proposta, que originalmente tratava apenas de incentivos fiscais e tributação de bets, uma determinação para que fossem pagas emendas parlamentares retidas entre 2019 e 2023. A medida autorizaria o governo a repassar quase 3 bilhões de reais de recursos para obras e serviços em municípios indicados pelos congressistas. Para o magistrado, muitas das emendas brotam do “orçamento secreto”, considerado inconstitucional pela Corte, entre outras razões, por não atender a critérios mínimos de transparência. A decisão de Dino é liminar, ainda será analisada em plenário pelos demais ministros. É pequena amostra da fervura do ano que vem, assim que terminar o recesso judiciário, em fevereiro.

Dino também é relator de um processo que está pronto para ir a julgamento e vai decidir sobre a constitucionalidade do modelo que obriga o governo a executar as chamadas emendas impositivas. O tema é polêmico. Por esse sistema, em 2025, apenas, deputados e senadores repassaram 50 bilhões de reais a seus redutos eleitorais. Para 2026, o valor chegará a 61 bilhões. A manipulação de recursos, inflada nos últimos anos, atende a interesses paroquiais e, por isso, é potente propulsor eleitoral para os parlamentares. Sem controles rígidos, também alimenta a corrupção. O Congresso, por razões óbvias, não pretende abrir mão desse poder. O Executivo, por sua vez, reclama de ter perdido o controle de parte da gestão orçamentária. Até 2015, o governo definia praticamente toda a execução das emendas, podendo inclusive contingenciá-las, trunfo usado pelos presidentes de turno como moeda de troca para angariar apoio. A vantagem se esvaiu com as emendas impositivas, mas não se esgotou.

VERBAS - Dino: ministro impediu “ressurreição” do orçamento secreto
VERBAS - Dino: ministro impediu “ressurreição” do orçamento secretoAntonio Augusto/STF

Para aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo, o governo se comprometeu a liberar antes das eleições 39 dos 61 bilhões de reais em emendas impositivas previstas para o ano que vem, acordo que pode acabar inviabilizado pelo STF, caso o julgamento aconteça antes disso. Para aprovar os cortes de incentivos fiscais e a tributação de bets na semana passada, o Planalto também aceitou incluir no projeto o artigo que libera os cerca de 3 bilhões de reais bloqueados em anos anteriores. Ao suspender a medida, Dino argumentou que o texto trata da execução orçamentária e da gestão financeira, atribuições que seriam exclusivas do Poder Executivo, além de ressuscitar o notório e inconstitucional orçamento secreto. A liminar foi concedida numa ação impetrada pela Rede Sustentabilidade. Lideranças parlamentares classificaram a decisão como mais uma interferência indevida no Parlamento, acusaram o Judiciário de agir em uma suposta parceria com o Executivo — Dino é ex-ministro da Justiça do presidente Lula — e ameaçaram retaliar, aprovando leis que limitam as prerrogativas dos ministros. “Essa decisão não ajuda em nada na relação do Judiciário com o Legislativo. Flávio Dino, na verdade, está atuando como uma espécie de secretário do Tesouro”, disse o deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES), vice-­líder da oposição na Câmara.

Um ingrediente a mais deve elevar o nível de tensão do embate em 2026: os inquéritos em andamento envolvendo figurinhas e figurões do Congresso em suspeitas de irregularidades no uso das emendas. Recentemente, uma assessora de ninguém menos que o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) foi alvo de uma busca da Polícia Federal. Para a ampliar a fricção, as primeiras condenações criminais também estão no horizonte. O ministro Cristiano Zanin, relator de um dos vários processos que tramitam no Supremo sobre irregularidades na distribuição de emendas, solicitou que se marque a data do julgamento de uma ação que tem como réus os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE). O trio é acusado de corrupção passiva e organização criminosa. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, as excelências destinavam verbas para determinados municípios do Maranhão desde que o prefeito concordasse em “devolver” 25% do dinheiro. Correções nesse modelo de distribuição de recursos públicos precisam ser feitas para evitar os exageros, as distorções e a roubalheira — missão para lá de delicada, especialmente em um ano eleitoral. É preciso vigilância.

Publicado em VEJA de 24 de dezembro de 2025, edição nº 2976

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