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Ancestralidade genética pode influenciar risco de câncer colorretal, aponta estudo brasileiro

Um dos maiores estudos brasileiros sobre câncer colorretal trouxe descobertas sobre como variações genéticas e a ancestralidade genética podem influenciar o risco de desenvolver a doença. Conduzido por pesquisadores do Hospital de Amor (antigo Hospital de Câncer de Barretos) e outras instituições – e financiado pela FAPESP –, o trabalho, publicado na revista Global Oncology, contribui para a compreensão da realidade genética complexa de uma população altamente miscigenada como a brasileira.

Cada vez mais comum entre adultos jovens, o câncer colorretal deve atingir cerca de 46 mil brasileiros entre 2023 e 2025, de acordo com as estimativas mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Desconsiderando os tumores de pele não melanoma, a doença ocupa a terceira posição entre os tipos de câncer mais frequentes no país, motivo pelo qual os pesquisadores têm concentrado esforços em entender melhor os fatores que modulam sua ocorrência.

Cerca de 5% a 10% dos casos têm origem hereditária clara, causados por mutações germinativas herdadas dos pais. Já os demais 90% são considerados esporádicos, relacionados majoritariamente a fatores ambientais e ao estilo de vida, embora a constituição genética também exerça influência. A partir disso, os pesquisadores buscaram responder se, entre esses casos não hereditários, a genética individual exerce um papel como fator de risco ou de proteção no desenvolvimento da doença.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram 45 polimorfismos (ou variantes genéticas, os chamados SNPs) relatados na literatura científica como os mais importantes e associados ao desenvolvimento do câncer colorretal. Eles buscaram compreender se essas mesmas variantes do genoma também estariam associadas ao risco de câncer colorretal no Brasil. “As variantes foram anteriormente identificadas em estudos com populações europeias e asiáticas. Nós fomos estudá-las especificamente em nossa população”, diz Rui Manuel Reis, diretor científico do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital de Amor e autor do estudo.

O trabalho envolveu 990 pacientes com câncer colorretal e 1.027 pessoas sem histórico da doença. Além de genotipar as 45 variantes genéticas em amostras de sangue dos participantes, a equipe também avaliou a ancestralidade genética dos participantes, utilizando um painel de 46 marcadores informativos capazes de identificar com precisão a proporção ancestral de componentes europeus, africanos, asiáticos e indígenas em cada pessoa.

“O IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] pergunta a cor da pele, mas esse é um critério muito subjetivo. Nós usamos marcadores muito mais objetivos e precisos para identificar a proporção de ancestralidade étnica de cada pessoa participante do estudo”, explica Reis.

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Variantes que se destacam

Das 45 variantes analisadas, nove apresentaram associação significativa com o risco da doença e quatro se destacaram por manterem sua relevância mesmo após análises multivariadas ajustadas por fatores clínicos e epidemiológicos. Duas variantes foram associadas ao aumento do risco de câncer colorretal, enquanto outras duas foram associadas ao risco diminuído, ou seja, mostraram efeito protetor.

Essas variantes estão localizadas em regiões do genoma ligadas à regulação de processos inflamatórios e crescimento celular. “Nosso estudo demonstrou que esses quatro marcadores, por si só, são independentes de todas as outras variáveis estudadas e sozinhos contribuem para o risco ou proteção da doença”, afirma Reis. “É importante destacar que essas não são mutações genéticas somáticas [que acometem somente o tumor], mas sim variações genéticas normais, que contribuem com as nossas características e nos tornam únicos, como a cor da pele. Nascemos com elas”, diz.

Papel da ancestralidade

Outro achado inovador do trabalho foi identificar o papel da ancestralidade genética no risco de desenvolver a doença. Os pesquisadores descobriram que indivíduos com menores proporções de ancestralidade africana e asiática tinham maior risco de desenvolver câncer colorretal. Esse dado reforça a hipótese de que certos componentes genéticos herdados dessas populações possam exercer um efeito protetor.

“Observamos que a população com maior ascendência genética asiática ou africana tinha um risco menor de câncer colorretal. Isso é algo que já se observa em estudos internacionais, e nossa análise confirmou que esse padrão também se repete na população brasileira”, destaca Reis.

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A associação, diz o pesquisador, pode ter múltiplas explicações e uma delas é que o fator genético pode estar entrelaçado com determinantes socioeconômicos e culturais. “É possível que pessoas com ancestralidade asiática, por exemplo, tenham hábitos alimentares diferentes – com mais legumes, mais peixe, menos carne vermelha – e isso é um fator protetor”, diz. “O que estamos vendo pode ser um reflexo não apenas da genética, mas de um conjunto de fatores”, avalia.

Segundo o pesquisador, o grande diferencial do trabalho está no tamanho da amostra – uma das maiores já usadas em um estudo desse tipo no Brasil – e na representatividade da população analisada. “A maior parte dos estudos anteriores foi feita com grupos pequenos, com poder estatístico limitado. Nós trabalhamos com quase 2 mil pessoas de todas as regiões do Brasil, o que garante uma diversidade étnica maior”, destaca.

Personalização no futuro

Outro ponto fundamental destacado por Reis é o potencial de uso dos achados na medicina personalizada. Embora as variantes genéticas identificadas não possam ser modificadas – afinal elas são herdadas dos nossos pais –, o conhecimento sobre elas pode, no futuro, ajudar a personalizar estratégias de rastreamento e prevenção.

“O risco genético não é tudo. A obesidade, por exemplo, pode aumentar o risco de câncer colorretal em até duas vezes. Mas se uma pessoa tem uma dessas variantes associadas ao risco, somada ao estilo de vida inadequado, o risco total aumenta”, alerta. “Nosso objetivo futuro é combinar esses dados genéticos com fatores ambientais para criar uma estratégia de rastreamento mais eficaz e personalizada. Talvez a pessoa que tenha essas variantes deva ter prioridade nos programas de rastreamento e deva ficar mais atenta aos fatores de risco modificáveis.”

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Atualmente, a equipe já trabalha em uma nova fase do estudo: enquanto nesse trabalho foram analisadas as 45 variantes previamente conhecidas da literatura científica internacional, o próximo passo do grupo é realizar um mapeamento de até 3 milhões de variações genéticas em brasileiros. “Queremos fazer um escore de risco específico para nossa população, que leve em conta nossas características únicas. Isso pode representar um avanço significativo no combate à doença no Brasil”, afirma.

Ao reunir dados inéditos e representativos da diversidade genética brasileira, o estudo reforça a importância de se ter no Brasil respostas mais adequadas à realidade local. “Muitos trabalhos são feitos em populações norte-americanas ou europeias, com baixa diversidade genética. O nosso estudo traz uma nova perspectiva. Mostra que a genética da nossa população pode nos ajudar a entender melhor as doenças que nos afetam”, afirma o pesquisador.

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