Em um passado bem pouco distante, viajar para a Argentina era sinônimo de gastar pouco e comer em alguns dos melhores restaurantes da América Latina, com direito a voltar para casa com a mala cheia de vinhos e artigos descolados. Mas, de uns tempos para cá, o sonho e os planos mudaram. Recentemente, com a adoção de medidas econômicas para fortalecer a economia local, o governo do presidente Javier Milei gerou, como efeito colateral, o encarecimento na conversão de moedas para estrangeiros, em especial os brasileiros. O real perdeu valor frente ao peso, e o resultado é que o país vizinho deixou de ser tão amigável ao bolso dos forasteiros. Mas, se os turistas daqui começaram a tirar a histórica Buenos Aires e o paraíso enológico de Mendoza do roteiro, a Argentina quer retomar a relação e mostrar que há muito mais para explorar por ali. Inclusive com novos destinos empolgantes, como Salta e Jujuy.
O movimento de resgate turístico decorre de uma realidade estatística. De janeiro a abril de 2024, pouco mais de 243 000 brasileiros chegaram à Argentina. No mesmo período deste ano, foram 151 000, uma redução de 38%, de acordo com informações recolhidas por órgãos como o Observatório do Turismo. Os brasileiros ainda representam a maioria dos visitantes, mas a queda no volume é perceptível. No ano passado, dos 2,83 milhões de estrangeiros que chegaram a Buenos Aires, 752 000 vieram do Brasil. O número foi próximo ao recorde histórico registrado em 2019, quando 806 000 brasileiros estiveram no país.

Para reverter a tendência de queda, uma das estratégias do governo argentino é propagandear novas possibilidades e caprichar nas promoções, sem constrangimento. Em parceria com as Aerolíneas Argentinas, já são oferecidos pacotes para Buenos Aires por valores entre 160 a 250 dólares, com mala despachada. Além disso, é possível escolher um segundo destino dentro do país por um adicional de 50 a 100 dólares. “Estamos trabalhando junto com o governo para viabilizar taxas menores, válidas para as férias de julho, mas com extensão até novembro”, diz Ivan Blanco, gerente comercial da companhia aérea. A Secretaria de Turismo, Meio Ambiente e Esportes também negociou tarifas menores em hotéis, para atrair mais brasileiros. Aos poucos, os efeitos positivos da política começam a aparecer.
Os preços de restaurantes e vinícolas, no entanto, não devem baixar tanto. E isso faz parte de uma mudança de perspectiva dos próprios empresários locais, que desejam ver o país reconhecido como um reduto sofisticado, e não um lugar para comer e beber gastando pouco. “Não queremos que um destino considerado ‘barato’ seja avaliado como caro por causa de problemas econômicos”, afirma Daniel Scioli, secretário de Turismo, Meio Ambiente e Esportes, em sua primeira visita oficial ao Brasil desde que assumiu o cargo. “Queremos que a Argentina seja conhecida pela sua qualidade, com atrativos únicos e bom serviço.”

Nesse contexto, portanto, ganharam projeção novos roteiros entre os brasileiros, com destaque para Salta e Jujuy, ao norte. Nessas províncias, os holofotes recaem sobre as belezas naturais, como o Cerro de Los Siete Colores, bela formação geológica, ou as Salinas Grandes, um enorme deserto de sal que só perde em dimensões para o Salar de Uyuni, na Bolívia. A cultura também é diferente, com influências indígenas, gastronomia diversa (com preparos de lhama, por exemplo) e vinícolas localizadas em imensas altitudes.
No outro extremo, a Patagônia reforça sua vocação de chamar visitantes com suas geleiras, parques naturais e vinhos cultivados em condições extremas. Mesmo Bariloche, que sempre atraiu brasileiros interessados em esquiar em seus picos nevados, também voltou à cena sob investimento do governo argentino. Longe da badalação de Buenos Aires e de Mendoza, é possível encontrar preços mais convidativos nessas regiões. Ainda que os tempos de pechincha tenham ficado definitivamente para trás.
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953