Desde 1999, no nono dia do nono mês de cada ano, ou seja, 9 de setembro, é lembrado como o Dia Mundial de Prevenção da Síndrome Alcoólica Fetal (SAF). O objetivo é conscientizar profissionais de saúde, órgãos governamentais e toda a sociedade sobre a gravidade dos impactos embrionários e fetais do consumo de álcool pela mulher grávida.
O nono dia do nono mês lembra-nos os nove meses de gestação. Durante este período, a abstinência total do álcool pelas gestantes é fundamental para impedir o desenvolvimento fetal dos chamados Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF), dos quais a Síndrome Alcoólica Fetal representa o quadro mais grave e completo.
Em nosso meio, apesar de não dispormos de dados oficiais, já foi descrito pontualmente que entre 30% e 40% das gestantes ingeriram álcool em algum momento da gravidez e, em torno de 20% o fizeram durante toda a gestação. Esses números mostram a necessidade de intervenções e conscientização sobre os riscos associados aos Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal.
Estudo francês, publicado em 1968, foi o primeiro a descrever um conjunto de malformações físicas, déficits cognitivos, alterações de crescimento e comportamentais em crianças expostas ao álcool na vida intrauterina. Desde então, inúmeras pesquisas cientificas têm alertado sobre as várias consequências deletérias que esta droga lícita pode levar ao embrião/feto.
Essas pesquisas também têm afirmado o desconhecimento da existência de algum nível seguro de ingestão de álcool durante a gravidez. As implicações desse transtorno são amplas e, muitas, irreversíveis, com consequências para o indivíduo afetado, para a sua família e para toda a sociedade.
O indivíduo acometido apresenta manifestações variáveis de acordo com a sua faixa etária. Pode ter malformações craniofaciais, atraso de crescimento e desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem e de memória, déficit de atenção, distúrbios de comportamento e maior vulnerabilidade a problemas psiquiátricos. Graves problemas de convívio social, baixo limiar de frustração, agitação, hiperatividade e irritação fácil são comuns. Com frequência, tem dificuldade em trabalhar, volta-se para a criminalidade, tem grande propensão ao uso de álcool e outras drogas e torna-se totalmente dependente de terceiros.
Em nível coletivo, a SAF e os Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal levam a impacto na qualidade de vida das famílias, pela sobrecarga no cuidado e sofrimento psíquico. Traz sobrecarga aos sistemas de saúde e de educação, com a necessidade de suporte pedagógico especial pelo risco de estigmatização social.
Na saúde pública, a Síndrome Alcoólica Fetal e os TEAF são subdiagnosticados e negligenciados, causando, no longo prazo, custos expressivos para a assistência médica e para as políticas de inclusão social e escolar.
Muitas das manifestações não têm cura, principalmente as relacionadas ao sistema nervoso central. Assim, os indivíduos afetados e suas famílias são obrigados a conviver com elas durante toda a vida.
Apesar da gravidade, essas condições são 100% evitáveis. Para isso, basta que a gestante não consuma álcool em nenhum período gestacional. Assim, a prevenção é a única estratégia e é totalmente eficaz.
A capacitação de profissionais de saúde no aconselhamento pré-natal e identificação da SAF/TEAF, a elaboração de políticas públicas e a realização de campanhas informativas e educacionais de toda a população são essenciais na promoção da conscientização sobre os riscos do álcool para o embrião e para o feto. Por meio delas, a incidência dessa condição, completamente prevenível, poderá ser diminuída.
Exemplo de intervenção pré-natal é a aplicação de questionários específicos para detectar comportamentos de risco, oferecer suporte e promover a saúde do binômio mãe-bebê. A triagem eficaz, associada a intervenções adequadas pode impactar de modo significativo na prevenção da SAF/TEAF e na melhora da saúde materno-infantil.
A gestação e a infância devem ser protegidas. Temos a responsabilidade de assim proceder por meio de informação, suporte e compromisso social com a saúde das gestantes e das futuras gerações. O Dia Mundial de Prevenção da Síndrome Alcoólica Fetal faz-nos esse convite.
*Corintio Mariani Neto é presidente do Conselho Fiscal da Associação Médica Brasileira (AMB) e Membros do Núcleo de Estudos sobre os Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)
*Maria dos Anjos Mesquita é membro do Núcleo de Estudos sobre os Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)