Se você parar para pensar no universo fitness e tudo que ele envolve, é quase certo que a creatina será uma das primeiras palavras que surgirão na sua cabeça. Nos últimos anos, esse suplemento decolou em popularidade, tornando-se o “queridinho” de quem busca melhorar o desempenho físico. A sensação que fica é que, para potencializar resultados e cuidar da saúde, tomar creatina — seja em pó ou cápsula — virou quase uma regra. E não são só os adultos aderiram: adolescentes também entraram nessa onda, mesmo que seja só para dar aquela turbinada nas aulas de educação física.
Para ter dimensão, um levantamento da Universidade de Michigan, por meio do relatório Monitoring the Future, investigou o uso de substâncias entre 25 mil estudantes do ensino médio dos Estados Unidos em 2025. O estudo mostra um salto expressivo no uso de creatina desde a pandemia. Segundo os dados, 13% dos alunos do 2º colegial relataram ter usado o suplemento nos últimos 12 meses, seguidos por 11,7% dos alunos do 1º e 4,6% dos alunos do 8º ano.
Esse ‘boom’ também se reflete nas vendas. Dados da consultoria Close-Up International revelam que, nos últimos cinco anos, as vendas de creatina em farmácias brasileiras cresceram 67%, resultando em um aumento de 92% no faturamento do setor. A procura online acompanha essa tendência: em 2022, a creatina foi o suplemento mais vendido no Mercado Livre e, nas buscas do Google, o termo “creatina” já superou o tradicional “whey protein”.
Uso deve ser exceção e não regra
Conhecida cientificamente como ácido metilguanidina-acético, a creatina é uma substância produzida naturalmente pelo nosso corpo, principalmente pelos rins, fígado e pâncreas, a partir dos aminoácidos arginina, glicina e metionina. Um dos seus principais papéis está ligado à “fosforilação”, processo que a transforma em uma reserva extra de energia. Durante atividades físicas intensas e de curta duração — aquelas que exigem uma explosão muscular rápida — o organismo utiliza uma forma de creatina para regenerar o ATP (adenosina trifosfato), principal fonte de energia das células. Esse “combustível extra” permite que o corpo mantenha a força e a resistência até o final do exercício.
Diferente de muitos suplementos no mercado, cuja eficácia ainda é questionada, a creatina se destaca por ter respaldo científico. Estudos mostram que ela realmente ajuda no aumento da força muscular e na melhora da resistência.
O problema é que, embora os benefícios da creatina para adultos sejam bem documentados, os estudos com adolescentes ainda são limitados — em geral, pequenos e de curta duração. Isso significa que tanto os riscos quando os efeitos positivos nesse público ainda não são totalmente documentados. Ainda assim, há situações específicas em que a suplementação pode fazer sentido, especialmente entre adolescentes que praticam esportes de alta intensidade, com explosões curtas de força, como musculação, atletismo (provas rápidas), lutas e futebol.
Já em esportes predominantemente aeróbicos e de longa duração, como maratonas, ciclismo de estrada e natação de fundo, os efeitos, em geral, tendem a ser mais limitados. Isso porque esses esforços dependem de outra via energética, mais sustentada, e não das reservas rápidas ativadas pela creatina.
“A maioria dos adolescentes não vai precisar, mas aqueles que são atletas e praticam esportes que exigem explosões de força — como futebol, natação em provas curtas, artes marciais ou atletismo de velocidade — podem, sim, se beneficiar”, afirma Giovanna Contier Boatti, nutricionista esportiva do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Mas isso, segundo a nutricionista Maria Emília Suplicy de Albuquerque, do Suporte Nutricional do Pequeno Príncipe, deve ser feito sempre com acompanhamento profissional. “Com doses calculadas para cada etapa de treino”, reforça. Ambas as especialistas explicam que, nesses casos, a substância pode melhorar o desempenho em atividades que exigem explosões rápidas de energia, além de auxiliar na preservação da massa magra em treinos intensos. Também destacam que, além do uso esportivo, esse suplemento tem sido estudado como terapia adjuvante em doenças neuromusculares e distúrbios metabólicos, mostrando melhora funcional em alguns casos clínicos.
Alimentação e bons hábitos em primeiro lugar
Na maioria dos casos, esse ganho de desempenho pode ser alcançado de forma bem mais simples e natural: com uma alimentação equilibrada. Isso porque o corpo já produz creatina naturalmente, e alimentos de origem animal fornecem os aminoácidos que participam desse processo. “Carnes vermelhas magras, frango e peixes são boas fontes”, diz Boatti.
Além da alimentação, é essencial prestar atenção a outros pilares básicos, como um sono reparador e treinos bem estruturados, antes de pensar em suplementar. Esses fatores são tão importantes que, entre adolescentes ativos, que já se alimentam bem, dormem o suficiente e mantêm uma rotina regular de exercícios, a creatina tende a proporcionar apenas um modesto ganho de desempenho. “A creatina é um complemento, não a base. Não é à toa que se chama ‘suplemento’ — ela serve para complementar, não substituir”, ressalta Albuquerque. “No caso dos adolescentes, é muito comum vê-la sendo usada no lugar de refeições, com a falsa ideia de que isso basta para ter resultados.”
Quando o uso acontece fora das indicações, ele é totalmente desaconselhado, mesmo para aqueles que frequentam a academia algumas vezes por semana. A principal preocupação das especialistas está no uso indiscriminado do suplemento, muitas vezes motivado por vídeos nas redes sociais ou pela recomendação de amigos. Sem orientação profissional, os riscos aumentam.
“O uso excessivo e prolongado pode causar sobrecarga renal, náuseas, cólicas, desequilíbrio hidroeletrolítico e até queda de rendimento”, alerta a nutricionista do Pequeno Príncipe. Ela também chama atenção para outro problema: o impacto emocional e comportamental. O adolescente passa a negligenciar o sono e a alimentação, acreditando que o suplemento sozinho vai dar conta – quando, na verdade, o ideal seria primeiro que os mais novos tivessem a chance de compreender o potencial do próprio corpo. “Isso contribui para uma obsessão pela estética e pode abrir caminho para distúrbios alimentares, problemas de imagem corporal e até uso de substâncias como os anabolizantes”, diz Albuquerque.
Os sinais do uso inadequado
Embora a creatina possa trazer benefícios, os riscos também existem. A própria Academia Americana de Pediatria (AAP) não recomenda o uso de suplementos para melhora de desempenho por menores de 18 anos. A decisão se baseia na falta de pesquisas robustas sobre os efeitos em adolescentes e na ausência de regulamentação da FDA (Food and Drug Administration) para esse tipo de produto.
Entre os sinais de uso inadequado, nutricionistas apontam: ganho de peso rápido e desproporcional, dores abdominais, problemas gastrointestinais, queda no apetite por alimentos naturais, irritabilidade e insônia.
Para os pais, a principal dica é manter o diálogo aberto. Se o adolescente demonstra interesse por suplementos, o ideal é buscar a orientação de um nutricionista antes de qualquer decisão. “Outro ponto importante é mostrar que não existe atalho. Resultado duradouro vem com constância e isso inclui treino, sono, alimentação e orientação adequada”, destaca Boatti.
Caso o uso seja realmente indicado, a recomendação é optar por creatinas testadas e registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Afinal, em meio ao ‘boom’ de popularidade desses produtos, não faltam opções duvidosas no mercado — por isso, a atenção deve ser redobrada.