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‘Acordo UE-Mercosul não é aceitável’, diz embaixador da França a VEJA

Em meio às incertezas que rondam o acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul, que deveria ser assinado durante visita da chefe do bloco europeu, Ursula von der Leyen, ao Brasil neste sábado, 20, mas deve ficar para janeiro, segundo a agência de notícias AFP, o embaixador da França, Emmanuel Lenain, afirmou em entrevista a VEJA que o texto “não é aceitável na forma atual”. Embora celebre as relações entre Paris e Brasília, que completaram 200 anos em clima de festa 2025, o diplomata do país que mais se opõe ao pacto sustenta que as exigências do Palácio do Eliseu não foram contempladas e não garantem “concorrência leal”. Apesar disso, Lenain sustenta que os laços entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Emmanuel Macron não serão abalados. A VEJA, ele fez um balanço da Temporada França–Brasil, que contou com mais de 300 eventos culturais, científicos e acadêmicos, apontou os setores estratégicos brasileiros para novos investimentos franceses e comentou a interlocução direta entre Lula e Macron.

Por que a França se opõe ao acordo UE-Mercosul?  A posição da França sempre foi muito clara. Estamos comprometidos com uma concorrência leal e equilibrada em qualquer contexto. Nossa posição não mudou desde o anúncio da conclusão das negociações pela Comissão Europeia: o acordo, tal como foi concluído em Montevidéu, em dezembro de 2024, não é aceitável em sua forma atual. Formulamos três exigências à Comissão Europeia, que continuamos a defender com veemência. Primeiro, uma cláusula de salvaguarda robusta e eficaz. Segundo, cláusulas-espelho que imponham aos produtores estrangeiros as mesmas regras aplicadas aos produtores europeus, especialmente no uso de pesticidas e na alimentação animal — uma questão de concorrência leal. Terceiro, medidas de fiscalização reforçadas, sobretudo no que diz respeito às exigências sanitárias.

Isso não afeta as relações entre França e Brasil, um grande defensor do tratado?  Não. Durante suas visitas de Estado, os presidentes Lula e Macron apresentaram uma visão conjunta da cooperação e definiram prioridades claras. A proteção do meio ambiente ocupa um lugar central. A visita do brasileiro a Nice, para a Cúpula das Nações Unidas sobre os Oceanos, e a presença de Macron na COP30 ilustram o compromisso dos dois países com a causa climática e com a proteção dos oceanos e das florestas. A luta contra a desinformação também é uma prioridade compartilhada. Na COP30, lançamos, junto com outros quinze países, uma Declaração sobre a Integridade da Informação sobre Mudanças Climáticas. A França já desenvolve ações em parceria com instituições brasileiras em áreas que vão da Defesa — como o lançamento do quarto submarino do projeto Prosub, com transferência de tecnologia — à educação midiática. Um exemplo é o projeto-piloto MidiaCOP, focado nas questões climáticas nos Estados da Amazônia Legal.

Que resultados concretos a Temporada França–Brasil já produziu?  O projeto foi estruturado em três eixos — transição ecológica, diversidade das sociedades e democracia. Entre exposições, espetáculos, seminários, encontros universitários e um fórum dedicado à juventude, a programação permitiu ao público brasileiro descobrir a extraordinária riqueza da cena criativa francesa, conectada com a atualidade e com os desafios enfrentados por nossas sociedades. Muitos projetos foram co-construídos por parceiros brasileiros e franceses. E, sobretudo — como era o objetivo inicial da Temporada — sementes foram plantadas. Acredito sinceramente que elas vão florescer e dar origem a novos projetos de cooperação nos próximos anos. Vários parceiros, por exemplo, manifestaram o desejo de dar continuidade à dinâmica criada pelo Fórum Convergências, organizado em Brasília e depois em São Paulo, que reuniu 40 jovens franceses e 40 brasileiros para trabalhar juntos sobre temas como combate à desinformação, igualdade de gênero, acesso à cultura e economia social e solidária, apresentando propostas às autoridades dos dois países. Da mesma forma, as prefeituras de Nantes e de Recife decidiram continuar e fortalecer seu intercâmbio, especialmente na área de inovação tecnológica. Outro fruto promissor da Temporada é a Villa Fatumbi, lançada em agosto, em Salvador. Trata-se de um programa de intercâmbio e residências que reúne mais de vinte instituições culturais francesas, africanas e brasileiras, responsáveis por acolher artistas, escritores e roteiristas das três margens do Atlântico.

A França é hoje um dos principais investidores no Brasil. Em que setores vê maior potencial imediato de ampliação?  Os de energias renováveis, infraestrutura de transporte e logística, saneamento e meio ambiente, além de saúde e automóveis. Para transformar essas oportunidades em projetos concretos, as empresas também precisam de um ambiente de investimento estável e atrativo. Esses setores não apenas apresentam alto potencial de retorno, como estão alinhados às prioridades brasileiras de desenvolvimento sustentável, inovação, neoindustrialização e geração de empregos. A França mantém hoje no Brasil um estoque de investimentos que supera 69 bilhões de dólares (cerca de 370 bilhões de reais). Mais de 1.300 empresas francesas atuam no país, gerando mais de 500 mil empregos diretos. Além disso, em junho de 2025, durante a visita do presidente Lula a Paris, um grupo de empresários franceses anunciou a intenção de investir 100 bilhões de reais no Brasil até 2030, com foco em setores estratégicos e sustentáveis. A França também coopera com o Brasil no combate a diferentes tipos de tráfico. Realizamos patrulhas militares coordenadas na fronteira comum, e nossas forças de segurança atuam juntas contra o crime transfronteiriço, incluindo o garimpo ilegal, o tráfico de cocaína e o tráfico de seres humanos. Sobre este último tema, assinamos uma declaração de intenções durante a visita do presidente Lula à França.

Além de diplomata, o senhor é fotógrafo. Se a relação Brasil-França pudesse ser contada por uma única imagem, qual seria?  Uma imagem que coroa esse bicentenário é a Torre Eiffel iluminada com as cores da bandeira brasileira. O maior símbolo da identidade francesa, em verde e amarelo, no coração de Paris, tornou visível a força da parceria entre os países. Uma bela foto desse momento, do talentoso Ricardo Stuckert, inclusive, ilustra o cartão de Ano Novo de 2026 da Embaixada.

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