O agronegócio acompanha com cautela — e crescente ceticismo — os últimos movimentos do pacto. Especialistas e empresários do setor preferem o silêncio neste momento, mas avaliam como cada vez mais distante a possibilidade de um desfecho positivo imediato. O sentimento é compartilhado por economistas e analistas ouvidos no programa Mercado, da Veja, nesta quinta-feira.
A dificuldade para fechar o acordo não está no texto técnico, mas na política europeia. O editor de Veja Negócios, Diogo Schelp, destacou que o tema entrou no radar do Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado da União Europeia para discutir diversos assuntos sensíveis — do uso de recursos russos ao comércio internacional. Para avançar, o acordo precisa do apoio de ao menos 15 dos 27 países do bloco, desde que representem 65% da população europeia. “Se França, Itália, Polônia e Hungria se opuserem nesse conselho, o acordo simplesmente não alcança esse percentual”, afirmou.
A leitura econômica reforça essa assimetria. Para o economista Rodrigo Simões, professor da FAC-SP, o acordo é estratégico para o Brasil e criaria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, envolvendo mais de 650 milhões de pessoas. “Para o Brasil, é excelente, porque amplia mercados e reduz a dependência de movimentos unilaterais”, afirmou. Os entraves, segundo ele, vêm quase exclusivamente da União Europeia, especialmente do protecionismo agrícola, que pressiona governos como os da França e da Itália a resistirem politicamente à assinatura, mesmo diante dos ganhos econômicos mais amplos.
Essa divisão interna foi detalhada pelo professor Lauro Gonzalez, da FGV, que chamou atenção para o conflito direto entre indústria e agricultura dentro da Europa. “A indústria automotiva alemã e a indústria farmacêutica — inclusive a francesa — veem esse acordo como algo claramente interessante”, afirmou. O problema está no setor agrícola, especialmente na França, onde produtores rurais têm forte tradição política e grande capacidade de mobilização. “Onde pega é no setor agrícola francês, que é altamente tradicional e tem uma pressão política muito grande”, disse. Para Gonzalez, não é possível afirmar que o acordo seja melhor para um lado ou outro de forma genérica, já que tudo depende de qual grupo de interesse está em jogo.
Apesar de considerar o acordo positivo para o Brasil, Gonzalez admite pessimismo quanto à assinatura no curto prazo. A posição da Itália, segundo ele, pode ser decisiva. Caso Roma se alinhe a França e Polônia, o acordo tende a travar. Além disso, fatores paralelos entram no cálculo político, como a crise envolvendo a Enel em São Paulo, já que o governo italiano é um dos principais acionistas da empresa. “Esses interesses específicos também pesam e podem afetar a decisão final”, concluiu.