A Ucrânia ainda não está vencida. Dois ataques navais de grandes proporções na semana passada mostram que o país mantém a capacidade de desfechar golpes brilhantes e ousados contra a Rússia e sua derrota no campo militar não é, nem de longe, tão definitiva quanto parece. Para completar, o presidente Volodimir Zelenski fez um ato de bravura como nos velhos tempos: foi visitar Kupiansk, a cidade na linha de frente que os russos já anunciaram várias vezes ter conquistado. Tem que ter muita coragem para ficar a menos de dois quilômetros da artilharia inimiga – em linguagem de caserna, irreproduzível, a expressão usada é outra.
É bom ver um pouco do Zelenski “dos velhos tempos”, porque o atual está amargurado e submetido a uma pressão sobre-humana por parte de Donald Trump, fora os movimentos internos de investigação de atos de corrupção entre pessoas muito próximas a eles.
A pressão é para o que ele faça o que, constitucionalmente, não pode fazer: ceder territórios pátrios. Obviamente, não existe outra maneira de suspender a guerra – se é que essa vai funcionar, pois a Rússia de Vladimir Putin é como o lobo da fábula com o cordeiro, sempre exigindo mais e só se satisfazendo com a rendição total. Há especialistas que não acreditam em qualquer possibilidade de acordo enquanto Putin estiver vivo.
Trump, que tem grande antipatia por Zelenski, deu um prazo até o Natal para os ucranianos decidirem se aceitam o plano de paz, enquanto a Rússia continua toda solta. Zelenski disse que 90% da proposta estão decididos. O plano de Trump tem aspectos bons para os dois lados na esfera econômica, incluindo a reconstrução e a exploração conjunta de recursos minerais para a Ucrânia e o fim das sanções que traria a Rússia de volta ao convívio com as grandes potências ocidentais.
‘O MAIOR GERALMENTE VENCE’
Tem também a parte horrorosa: a humilhação de um país obrigado a ceder 20% do seu território a um inimigo cruel. O fato, infelizmente, é que ninguém imagina a Rússia saindo dessa fatia do país – inclusive porque se houvesse a iminência de uma derrota militar, não é impossível que usasse armas nucleares táticas para impedir um vexame insuportável. Assim funciona a cabeça dos russos: acham inadmissível perder um país que invadiram sem motivo nenhum, exceto a fantasia imperial do passado.
Essa é a realidade: mesmo que quisessem, nem os Estados Unidos conseguiriam obrigar os russos a desocupar a região conhecida como Donbas pois isso muito provavelmente levaria a um conflito entre as duas maiores potências nucleares do mundo e suas consequências apocalípticas.
Manter a Rússia no limbo também não tem funcionado, apesar da dureza econômica, porque China, Índia e, em menor medida, Brasil, entre outros, não aderem às sanções.
Continuar a guerra indefinidamente levaria a maiores perdas para a Ucrânia. Com toda sua capacidade de resistência e de inventividade bélica, o país não tem condições de segurar a frente a longo prazo contra um adversário com mais gente para morrer ingloriamente, mais material bélico e mais disposição de levar a guerra adiante – inclusive o plano original de conquistar toda a Ucrânia, segundo um relatório de serviços de inteligência americanos. “O país maior geralmente vence”, disse Trump, num resumo brutal das realidades estratégicas que os políticos costumam pintar de forma mais diplomática.
Mas os ataques navais mais recentes mostram que a Ucrânia ainda tem capacidade de surpreender o inimigo, talvez pensando em não chegar nas negociações finais numa posição muito inferior. Fora a bomba no carro de um general russo, Fanil Sarvarov, que matou um militar de alta patente no coração de Moscou, dois ataques navais sem precedentes comprovaram que a Ucrânia ainda tem fôlego para resistir.
PROVOCAÇÃO DE MESTRE
Primeiro, contra um submarino no Mar Negro. A Rússia negou de pés juntos, mas desde o anúncio do ataque com drones na base de Novorossiski, o submarino, municiado com potentes mísseis Kalibr, não se movimentou mais. Se não foi afetado, está fazendo o quê, parado? Preparando a decoração de Natal?
O segundo ataque foi mais espetacular ainda, com vídeos para comprovar a explosão de drones no convés do petroleiro em pleno Mediterrâneo. Especulações: estaria a bordo da embarcação, usada para operações de transporte clandestino da frota russa, o chefe das operações militares clandestinas, conduzida pelo GRU, general Andrei Averianov. O boato circulou no Telegram, sem nenhuma confirmação, mas poderia indicar que a inteligência ucraniana não escolheu o alvo ao acaso.
O ataque ocorreu exatamente no momento em que Putin dava a entrevista anual em que fala longamente. O líder russo desconversou, disse que era coisa para aumentar o valor dos seguros dos petroleiros e que “jamais atingirá o resultado esperado, não irá afetar o abastecimento”. E, claro, prometeu revide. A Ucrânia terá um Natal amargo, com ataques russos redobrados e a espada que pende sobre a cabeça de Zelenski – segundo, obviamente, que a decisão não é só dele, mas precisa se basear em algum tipo de consenso de cúpula.
O ataque naval pioneiro não deixa de ser mais uma provocação de mestre feita pelos valentes ucranianos. E uma prova de que, contra todas as expectativas, inclusive dos que torcem pela vitória do abominável Putin, de que a Ucrânia continua a resistir e os anúncios de avanços e conquistas de cidades na linha de frente são grandemente exagerados. No popular, os russos estão mentindo. Quem imaginaria uma coisa dessas, não?